quarta-feira, 18 de abril de 2007

“Favela! Favela! Silêncio na favela”

De Evandro Éboli, O Globo, 09.11.05, p.33

Os seguidos registros de intolerância das torcidas nos estádios do Brasil, com manifestações racistas e preconceituosas, chamaram a atenção de movimentos de defesa dos direitos humanos, do Congresso e até do governo. O último desses atos foi o grito da torcida do Botafogo contra torcedores do Flamengo, repetido por outras torcidas no Rio, no clássico de domingo. Quando seu time vencia por 1 a 0, os botafoguenses dispararam contra os rubro-negros: “Favela! Favela! Silêncio na favela” e “Ele, ele, ela. Silêncio na favela”.
Para parlamentares da Comissão de Direitos Humanos, onde o assunto será discutido, este grito de guerra representa muito mais que manifestação politicamente incorreta. Ex-presidente da comissão, o deputado Orlando Fantazzini (PSOL-SP) condenou a atitude da torcida:
- Este comportamento reforça a exclusão e o tratamento desigual. Trata-se de uma demonstração pública, uníssona e em coro de preconceito e racismo. Não se pode tolerar isso. É muito mais grave que jogar uma garrafa dentro de campo, que já é uma infração que pune com perda do mando de campo.
A comemoração da torcida do Botafogo não foi o único episódio nos últimos dias. O meia Renato, do Flamengo, foi chamado de macaco por torcedores do Palmeiras. Na última sexta-feira, em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) puniu o Juventude (RS), com a perda do mando de dois jogos e mais uma multa de R$ 200 mil, por conta do comportamento de sua torcida. Seus torcedores chamaram o atacante Tinga, do Internacional, de macaco e, toda vez que ele tocava na bola, imitavam o animal.
Rubro-negro, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que se sente constrangido com essas ofensas das torcidas adversárias quando está na arquibancada com seu filho. Alencar, que também integra a Comissão de Direitos Humanos, vai apresentar requerimento cobrando dos dirigentes de clubes que se manifestem sobre esse tipo de atitude das torcidas.
- Cansei de ouvir esses ataques, que têm uma carga pesada. É uma absurda discriminação social. Os dirigentes não podem se omitir – disse.
Para Ivair Alves dos Santos, secretário-geral do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, órgão do governo federal, os estádios estão se tornando ambiente de reprodução de preconceitos. Ivair é corintiano e diz que os torcedores de seu time também sentem discriminação semelhante às feitas contra os robro-negros. Ele festejou a punição do Juventude por crime racial.
- Somos também da camada mais popular, como a maioria dos flamenguistas, e chamados de favelados. Não há diferença do comportamento da torcida aqui para os da Europa, onde o racismo é forte. Mas, engraçado, é que craques brasileiros fazem campanha lá no exterior contra esse tipo de ação, mas, aqui no Brasil, não se comenta o assunto.
A coordenadora-geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, uma entidade da sociedade civil, Rosiane Queiroz, disse que no universo do futebol não está disseminado uma cultura dos direitos humanos:
- Nesse meio de cartolas e caciques não há espaço para a construção de cidadania ou uma política de direitos humanos. Em ambiente de impunidade, as pessoas ficam bem à vontade. É para se comemorar a decisão da justiça sobre o Juventude, mas lamentar o comportamento da torcida do Rio.
O deputado Luiz Alberto (PT-BA), que no episódio do jogador Grafite, do São Paulo, xingado por um argentino, discutiu o assunto em audiência pública no Congresso, afirmou que os ataques contra os flamenguistas podem confundir.
- O que é uma aparente manifestação jocosa revela-se, na verdade, uma manifestação racista.

2 comentários:

Leonardo Lovo disse...

Sou contra discriminação e racismo, mas criticar esses gritos de torcida é absolutamente ridículo, para dizer o mínimo.

O futebol é um momento de descontração, a pessoa vai ao estádio para poder extravasar sua paixão pelo time do coração e isso passa, inclusive, pelo escracho contra os adversários e/ou rivais! Ou o autor do texto queria que a torcida do Botafogo cantasse juras de amor aos rivais? Isso é patético.

Os cantos são sempre denegrindo os adversários, isso é óbvio. E isso não tem nada a ver com discriminação, pois é uma manifestação jocosa que faz parte da cultura do futebol, sobretudo do brasileiro.

Então dizer que o grito de "favela" significa intolerância e discriminação é atestar a própria ignorância ou então esconde uma finalidade escusa.

Resumindo: para escrever o que escreveu, ou Evandro Éboli nunca esteve num estádio e nunca torceu por um time de futebol, ou então ele tem muita raiva do Botafogo e usou seu espaço com má-fé.

Se começarmos a apoiar manifestações como esta, logo a intolerância será da mídia e da opinião pública em relação às torcidas, e não dos torcedores entre si!

Leonardo Lovo disse...

Eu não considero grito de torcida como discriminação de qualquer ordem, a não ser nos casos de racismo, até porque racismo é crime e discriminação social não. Eu grito "favela" de forma totalmente genérica, eu não sei quem é pobre ou rico na torcida adversária, eu só quero xingar os caras. E as pessoas não gritam "preto sujo" ou coisa parecida porque sabem que podem ser presas pelo policial que está ali, pois isso é crime. Enquanto gritar "favela" não traz problemas, porque não é crime. A reflexão é válida, mas sou contra condenar/criticar quem grita isso no estádio. Eu não vou chegar para uma pessoa na rua e chamá-la de favelada. Mas no estádio, entoando cânticos contra rivais, eu grito mesmo. Eu não considero o grito como discriminação, para mim a discriminação é algo dirigido, específico. E não genérico, gritado para milhares de pessoas do outro lado do campo.