terça-feira, 26 de junho de 2007

Pan impulsiona debate sobre violência no esporte

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Os jogos Pan-Americanos 2007, que acontecem em julho no Rio de Janeiro, são destaque na grande mídia brasileira. Afinal, desde 1963 que um dos eventos mais importantes do esporte não acontece no país. Além de altíssimos investimentos públicos, patrocínios milionários e grande expectativa de torcedores e atletas, o Pan desperta também a atenção de cientistas, que analisam a segurança esportiva, importância social dos jogos e violência no esporte. Essas e outras questões foram debatidas no encontro “Jogos Pan-americanos 2007 em Debate”, organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.
Para adequar a cidade às necessidades do evento, o governo federal investiu dois bilhões de reais para receber mais de cinco mil atletas de 42 países. A segurança urbana e dos espaços das competições está sob total responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública. Foram criados o Centro de Inteligência dos Jogos, ação conjunta dos policiais e monitoramento com 600 câmeras, e o Programa de Segurança Cidadã, onde jovens carentes farão a integração entre turistas e sociedade, como guias cívicos. As preocupações maiores são com o crime organizado, narcotráfico e confronto com policiais.
Entre os cientistas, o que mais tem despertado reflexões a partir da realização do Pan-Americano no Brasil, é justamente a violência no esporte. “Não consigo visualizar política pública na preparação e segurança do Pan. Muito dinheiro tem sido gasto de maneira questionável, pois não há ligação entre o esporte espetáculo - que é o que veremos - e a formação dos direitos do cidadão, explícitos no Estatuto Torcedor. A violência que acontece no esporte não está combatida de maneira segura neste evento”, alerta Heloísa Reis, pesquisadora da Unicamp e doutora em Direito de Segurança Social.
Segundo Reis, as raízes da violência esportiva ultrapassam o mero espírito competitivo do atleta e dos torcedores, pois está inserida no contexto social e no processo de mercantilização esportivo: “A violência tem início a partir da idéia equívoca de que o esporte é um espaço de legitimação da masculinidade. Além disso, não podemos esquecer de fatores como a questão econômica e social, além da corrupção nos clubes, impunidade em relação aos que praticam atos violentos e desigualdade social”. A pesquisadora cita, como marco de violência no esporte, o episódio do Estádio do Pacaembu, em 1995, com uma morte e mais de cem feridos na batalha entre torcedores dos times Palmeiras e São Paulo, que disputavam a extinta Supercopa de Futebol Júnior.
De acordo com Jocimar Daolio, pesquisador da Unicamp, em seu livro Futebol, Cultura e Sociedade, a violência sempre caminhou junto ao esporte, principalmente o futebol, tendo como atores os atletas e torcedores: “A torcida organizada surgiu nos anos 60 e tem sido responsabilizada pela crescente rivalidade entre os clubes. Essa corrente nega a riqueza simbólica do futebol. Existem comportamentos pontuais errados de alguns indivíduos, como em qualquer outra esfera social. As generalizações configuram uma visão preconceituosa e elitista do fenômeno esportivo”, alerta Daolio.
A violência no esporte não preocupa apenas cientistas e políticos brasileiros. Na Europa, ela está ligada ao racismo e à xenofobia. Por conta disso, vários países, como a Espanha, passaram a adotar a lei de proteção da violência, o que tem melhorado gradativamente os índices nos espaços desportivos e projetado o esporte como função social. No Brasil, uma política pública de prevenção da violência no esporte começou a ser articulada em 2003. “Essas diretrizes ainda estão em construção, mas ainda há muito o que fazer: falta política de esporte efetiva, infra-estrutura de equipamentos esportivos, os eventos são mal administrados. Sem falar na banalização de violência pela mídia, com notícias sensacionalistas. Os jornais dão pouca atenção às conclusões dos fatos, como punições aplicadas, o que poderia ajudar a combater o problema”, afirma Heloísa Reis.
Embora várias discussões tenham vindo à tona com o Pan 2007, raros são os momentos de debate científico, segundo especialistas. “Faltam congressos científicos para debater o Pan, o que frustra a comunidade acadêmica, que não tem espaço para apresentar seus trabalhos”, afirma Laércio Pereira, representante da IASI - International Association for Sport Information. Para o diretor da Faculdade de Educação Física da Unicamp, Paulo César Montagner é fundamental que se consiga, a partir do conhecimento acadêmico, multiplicar as informações e fazer com que as questões possam ser amplamente debatidas. “Todos sabem do crescimento do esporte no país e no mundo, os indicadores de PIB são impressionantes. Indústrias mais tradicionais cresceram numa velocidade muito grande e o esporte, em algumas comparações, cresceu 14 vezes mais. Isso já é significativo para que se possa fazer uma discussão com olhar crítico”, explica o pesquisador.

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