Ciro Câmara, da Redação, 17/08/2007 00:51
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Há exatos vinte anos a literatura brasileira perdia um de seus principais nomes. E o futebol, um grande entusiasta: Carlos Drummond de Andrade
"Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma" (Futebol, de Carlos Drummond de Andrade)
Certa vez, no poema "Mundo Grande", Carlos Drummond de Andrade escreveu que seu coração era pequeno, que não era maior do que o mundo. Entretanto, tinha a condição de crescer, "entre o amor e o fogo". Pequeno ou grande, o coração do "gauche" da pacata Itabira (MG), do criador do atordoado José, tinha espaço de sobra para uma paixão que transita justamente entre o amor e o fogo: o futebol. Apesar de escrever "sobre tudo", como disse, ao se oferecer para trabalhar por um pequeno jornal mineiro, nos anos 20, o vascaíno Drummond reservou lugar especial em sua obra para o futebol. Foram artigos, crônicas, poesias e cartas em que exprimiu como poucos a relação do brasileiro com a bola. E, sobretudo, as implicações - políticas e sociais - das conquistas e derrotas nos gramados. A coletânea dos textos está em Quando é dia de futebol, de 2002, cuja organização coube aos netos do escritor, Luís Maurício e Pedro Augusto Granã Drummond. No livro, encontramos várias facetas de Drummond. O torcedor fanático que, na ânsia por ver a seleção de 1970 campeã mundial, chega a apelar por uma ajudinha da bola, em carta endereçada à mesma. "Bolinha minha, meu amigo redondo, suplico-te: não deixes a Copa ficar com a Britânia ou outra qualquer nação que dela não precisa como precisamos nós. Faze o seguinte: se nossos atletas não derem tudo que têm obrigação de dar, assume por ti mesma o ataque, vai em frente e, sozinha, ganha para nós, esse terceiro campeonato". Também nos deparamos com um Drummond cético, criticando o uso político da seleção. "Não me venham insinuar que o futebol é o único motivo nacional de euforia e que com ele nos consolamos da ineficiência ou da inaptidão nos setores práticos". Porém, em meio a todas as caricaturas desse Drummond-torcedor, nenhuma bate a do sensível admirador do belo futebol - fã de Garrincha e Pelé -, que sabe respeitar inclusive a hora da derrota, por mais dolorida que seja, como a da seleção de 1982, na Copa da Espanha.
"Eu gostaria de passar a mão na cabeça do Telê Santana e de seus jogadores (...) e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos". Para Drummond, esse sol brilha mais intensamente, sobretudo, quando é dia de futebol.
DRUMMOND E A BOLA
"O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé". Pelé: 1.000 (1969)
"Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério. Entretanto, a criança menos informada o possui". Mistério da Bola (1954)
"Não há nada mais triste do que papel picado, no asfalto, depois de um jogo perdido. São esperanças picadas". Jogo à Distância (1966)
"Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de se esquecer o que se aprendeu". (1974)
"Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho". Mané e o Sonho (1983)
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