terça-feira, 27 de novembro de 2007

Ministério paga, mas não recebe

No 'Correio Braziliense', de hoje

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Por UGO BRAGA

A história do contrato em tela começa no dia 17 de junho de 2006. Ali, a Atos Origin entrega sua proposta ao edital lançado duas semanas antes, pelo qual a pasta esportiva anuncia a disposição de contratar fornecedor para "serviços de tecnologia da informação e apoio técnico de atividades de informática". O negócio era montar o sistema de computadores que controlaria os dados dos jogos, bem como o trânsito do pessoal credenciado nas diversas áreas privativas dos locais de competição, treinar os responsáveis e fornecer os equipamentos de controle.
Abertas as propostas da concorrência, a Atos Origin saiu vencedora. E abocanhou o contrato de R$ 112.998.002, devidamente assinado no dia 29 de setembro daquele ano. Dois meses depois, em 30 de novembro, a firma recebeu o primeiro e vultuoso pagamento, de R$ 30,6 milhões. E receberia outro, de R$ 20,4 milhões, em 15 de janeiro.

16.000%
No dia 27 de março, porém, Atos Origin e Ministério do Esporte assinam um termo aditivo, acrescendo R$ 28.246.573 ao contrato original. Isso para implantar um sistema de controle de acesso com a tecnologia Radio Frequency Identification — RFID, algo não previsto na licitação, registre-se. Trata-se de um sistema pelo qual o segurança controla a entrada de pessoas usando um aparelho manual, passado nos crachás entregues aos atletas, dirigentes e demais credenciados. É onde os problemas explodem.
Um dos itens adicionados previa o desenvolvimento do sistema de credenciamento. Originalmente, tal serviço havia sido orçado em R$ 55.595,56. Depois do aditivo de março, ele pulou para R$ 9 milhões, o que, nas palavras dos auditores do TCU, "representa um acréscimo superior a 16.000%". Eles seguem: "Os dados mencionados não indicam grau de complexidade para os novos módulos que justifiquem a diferença brutal no preço cobrado (…)". Há mais.
O ministério alugou da Atos Origin 100 kits de controle de acesso, formados cada um por computador de mão e leitor portátil de rádio-freqüência, ambos com duas baterias, cabo e fonte alimentadora de energia. O custo unitário desses kits saiu por R$ 68.718,25 por 50 dias de uso. É dinheiro bastante para pagar o aluguel de um apartamento de quatro quartos em Brasília por um ano inteiro. Há mais.
Cada crachá emitido para o tal RFID — foram 175 mil ao todo — saiu por R$ 7,68, ou, ao câmbio da época, cerca de US$ 4 a unidade. O pessoal do TCU achou estranho e resolveu consultar a Intermec, fornecedora da Atos Origin. Descobriu que o preço unitário variava entre 50 centavos de dólar e US$ 2. Ou seja, houve acréscimo de mais de 100% entre a compra à empresa privada e a venda ao cofre público. O tribunal de contas mandou um ofício ao Ministério do Esporte questionando o disparate e pedindo que este comprovasse ter adquirido um bem ao valor de mercado.

Flagra dos auditores
Somados o contrato original e o termo aditivo, o Ministério do Esporte se comprometeu a pagar R$ 141. 244. 575 a Atos Origin. Entre o primeiro desembolso, em 30 de novembro, e o último, de 21 de agosto passado, saíram do Tesouro Nacional R$ 106. 224. 091,50, ou 75% do total. Tal cronograma financeiro colide com a realidade registrada em inspeções durante os jogos.
Em 17 de julho, dias depois do início das competições, os auditores foram a Arena de Copacabana, palco do vôlei de praia. Às 17h, pouco antes do início dos jogos da tarde – as duplas masculinas do Canadá e do Chile se enfrentariam –, constataram que o sistema super moderno de controle de acesso não rodava por "problemas no banco de dados do aplicativo".
No dia seguinte, 18 de julho, às 14h, o pessoal do TCU esteve no Estádio João Havelange, o Engenhão. Começara há pouco o torneio de futebol masculino. Jogavam, então, as seleções da Jamaica e da Argentina – na parte da manhã, as meninas do Brasil esmagaram o Equador por 10 a zero. O supervisor do sistema RFID informou que os equipamentos não estavam sendo usados.
No dia 19, uma quinta-feira, os fiscais resolveram checar os serviços no Riocentro, onde começavam as lutas do judô. Chegaram ao local às 10h, momentos antes de a peso pesado brasileira Priscila Marques ser chamada para enfrentar a cubana Ivis Dueñas, de quem acabou perdendo. Ouviram do responsável pelo caro sistema de credenciamento que "os equipamentos deram muitos problemas e, por isso, não vêm sendo usados".
No relato mandado ao ministro-relator no TCU, Marcos Vilaça, o corpo técnico não contemporiza: "(…) Pode-se inferir que, nas poucas instalações em que houve uso dos equipamentos e sistemas implantados, este se deu com infração à norma regulamentar". Referiam-se ao fato de os equipamentos usados no tal RFID não serem homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o que gerou um ato de infração aos responsáveis.

Outro lado
A violência do Rio de Janeiro e até o terrorismo internacional são as causas apontadas pelo Ministério do Esporte para a modificação no sistema de credenciamento dos Jogos Pan-americanos que encareceu em mais de R$ 28 milhões o contrato com a empresa Atos Origin. Em ofício mandado ao TCU, o secretário-executivo dos jogos, Ricardo Layser, afirma que "(…) as ameaças poderiam partir de um simples furto até atentados orquestrados por grupos terroristas internacionais". Daí, nas palavras dele, a "(…) decisão de substituir um sistema simplificado de controle de acesso por algo que oferecesse maior segurança (…)".
Sobre a diferença de 16.000% entre o sistema de controle de acesso licitado e o efetivamente pago, baseado em ondas de rádio, o ministério argumenta que no primeiro caso tratava-se tão somente de pagar o licenciamento de algo já existente — crachás com marca holográfica e código de barra, segundo o Ministério do Esporte, pouco seguros. Os técnicos afirmam que não há lógica em se comparar as duas coisas. Mas não explicam porque não houve uma nova licitação se o objeto contratado mudou tão radicalmente.
Para justificar o valor do aluguel dos kits de controle de acesso, o Ministério do Esporte argumenta que ele continha o custo do suporte técnico e da garantia dos mesmos. E que o período de locação deve ser considerado de maio a agosto deste ano, ou seja, 120 dias. Ao atender o pedido do TCU para comprovar o custo das etiquetas, o ministério admite ter pago R$ 103,2 mil a mais, valor a ser descontado nos próximos pagamentos.
A respeito das falhas na operação do sistema, o ministério lista uma série de motivos, implicando até os militares que manusearam os leitores. A Atos Origin respondeu ao Correio por intermédio de um e-mail mandado pela assessoria de imprensa. Nele, argumenta que venceu uma licitação pública e que prestou "a contento" o serviço contratado pelo governo. (Ugo Braga)

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