segunda-feira, 16 de abril de 2007

A lição da Alemanha em 2006

O Globo, página 7, Opinião, 29.01.2007
A lição da Alemanha em 2006
por Martin Curi
Os responsáveis pela candidatura brasileira à Copa de 2014 já anunciaram que consideram a África do Sul e não a Alemanha como parâmetro. Contudo, com base em pesquisa que levantou dados sobre a satisfação dos torcedores brasileiros que estavam na Alemanha, talvez esse critério devesse ser repensado. Vale a pena olhar para a Copa 2006 e a pesquisa sobre o atendimento aos torcedores neste torneio. Pela primeira vez na história das Copas, o país-sede deixou claro que todos ostorcedores, mesmo aqueles sem ingressos para qualquer um dos jogos, seriam bem-vindos à Alemanha. Isto significava ser necessário oferecer um serviço de apoio para muito mais do que os cerca de 1 milhão de estrangeiros portadores de ingressos que viajariam ao país. Para esse contingente seria imprescindível prover serviços como transporte, alimentação, acomodações e informações em outras línguas que não o alemão. Para este fim, foi criado o “Programa para Torcedores e Visitantes” pelo Comitê Organizador da Copa do Mundo FIFA. Seus principais elementos foram: fan fest, embaixada de torcedores, guia do torcedor, disque ajuda, homepage, fancamps e projetos anti-racistas. Todos ainda se lembram das imagens de milhares de pessoas em frente aos telões comemorando. Este espaço era o fan fest e não só, ganhou muitos elogios na imprensa internacional, mas foi também julgado bom ou excelente por 86,7% dos torcedores brasileiros. Outros elementos relevantes para o sucesso do atendimento aos torcedores foram: a embaixada de torcedores, uma instituição de informação multilíngüe; e o guia do torcedor, um pequeno livro, de distribuição gratuita e com as principais informações sobre ocampeonato. Esses dois elementos foram aprovados por 68,4% e 73,1%, respectivamente. A produção de um megaevento como este demanda ainda outras necessidades. Algumas vezes, a polícia tem problemas em controlar as massas nos jogos de futebol. Por isso a polícia alemã experimentou os conceitos modernos do low profile policing e crowd management. Estas táticas defensivas se baseiam na idéia de apoiar e não de enfrentar os torcedores. Pode-se considerar, que a polícia alemã teve sucesso, pois praticamente não houve incidentes violentos nesta última Copa e 87,5% dos torcedores brasileiros avaliaram a polícia alemã como boa ou excelente. Os resultados são parecidos na avaliação dos estádios, que foram aprovados por 65,8%, e o transporte público, que foi aprovado por 89,1% dos entrevistados. A Alemanha quis se mostrar como um país atual, bem organizado e bom anfitrião. Decidiu-se que todos deveriam desfrutar de uma estada segura e prazerosa, que seria caracterizada pela hospitalidade, tolerância e entendimento mútuo. Nesse sentido, 85,8% dos brasileiros responderam, que se sentiram acolhidos na Alemanha. Parece, que a determinação de orientar uma Copa tendo como foco central as necessidades dos torcedores foi muito bem sucedida. Finalmente, há extraordinários 93,1% dos torcedores brasileiros entrevistados que afirmaram ter apreciado bastante sua estada na Alemanha. Isso deve ser o parâmetro para o projeto Brasil 2014. Atendimento multilíngüe e direcionado aos torcedores, estádios confortáveis eseguros e uma polícia bem treinada e equipada são elementos fundamentais para uma organização de sucesso em uma Copa do mundo. A experiência da Alemanha nos mostrou isso. O Brasil só tem a ganhar, aproveitando-se deste conhecimento, aliás não só para a Copa de 2014, mas também para o Campeonato Nacional.
Martin Curi, M.A. em sociologia pela universidade de Hagen/Alemanha, Pesquisador do Instituto Virtual de Esporte (IVE) da Faperj/Rio de Janeiro, Coordenador da Embaixada da Torcida Brasileira na Copa 2006.