quinta-feira, 26 de julho de 2007

Evoluir o Estatuto do Torcedor

Paraná-Online (Assinatura) - 21 jul. 2007 Oscar Ivan Prux [22/07/2007]

Ao ser o país sede dos Jogos Pan-Americanos e em razão de ter atletas e equipes participando de inúmeras outras competições internacionais, o Brasil tem recebido da imprensa uma enorme atenção voltada ao esporte. Por conta deste envolvimento da população, é oportuno observar alguns aspectos da Lei n.º 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), norma tão pouco comentada pela doutrina jurídica nacional.
Em primeiro lugar, cabe dizer que a referida lei não se constitui propriamente em um micro-sistema, pois carece de uma maior auto-suficiência para aplicação completamente isolada. Ou seja, não é como a Lei 8.078/90 (CDC) que por conter preceitos de direito material, processual, administrativo e penal pode, autonomamente, ser aplicado sem dependência maior e incontornável da utilização concomitante de outros diplomas legais. O Estatuto do Torcedor, de sua parte, referencia outras normas, a exemplo do próprio CDC, da Lei 9.615/1998 e da Lei 9.981/2000. Apesar desta característica e de expressamente mencionar não se sobrepor ao CDC (abrindo mão da prioridade que poderia ser inferida de sua especialidade), mesmo assim o Estatuto do Torcedor tem lugar relevante em nosso sistema jurídico. Foi basicamente através dele que o desporto em nosso país ganhou um mínimo de organização e respeito para com os direitos legítimos da imensa parcela da população que se envolve direta ou indiretamente com esta atividade.
Sob o ponto de vista da prática desportiva em si, tem-se nele a obrigatoriedade de que as competições ou eventos sejam programados com antecipação, mediante calendário anual, bem como, que sejam divulgados de forma transparente, inclusive com seu regulamento, com uma antecedência mínima de 60 dias (art. 5.º). Também a prescrição de que não possa haver alteração de regulamento durante a competição, impondo-se que o acesso de clubes participantes dos campeonatos aconteça sempre por critério técnico (e não possa ser por convite), com os árbitros (mesmo que participando de uma escala) sendo sorteados em local aberto ao público (e recebendo pagamento antecipado), questões que antes eram fonte de expedientes maliciosos utilizados pelos dirigentes como moeda de troca para corromper o esporte e auferir vantagens ilícitas.
Sob o ponto de vista do espetáculo (lazer), o Estatuto do Torcedor tem sido fundamental, principalmente nos aspectos envolvidos direta ou indiretamente com a segurança do torcedor. Ao impor, dentre outras providências, que existam lugares numerados para cada espectador, que exista a contratação de seguro de acidentes pessoais para os portadores de ingressos que assistem ao evento, ao determinar a existência nos estádios de, ao menos, um médico, dois enfermeiros-padrão e uma ambulância para cada dez mil torcedores, ao organizar a forma de venda de ingressos e prescrever normas relativas a organização do transporte de torcedores, a Lei n.º 10.671/2003, veio trazer civilidade ao ambiente da prática desportiva, antes tão desregrado/tumultuado e, permanentemente, susceptível aos problemas ocasionados por maus dirigentes e pela violência das torcidas corrompidas pela ação da bandidagem. E, neste ponto, o Estatuto do Torcedor transformou-se em um marco ao optar pela proteção da coletividade de consumidores e prescrever a punição daqueles torcedores que provocam tumulto, praticam ou incitam a violência (art. 39). E mesmo a norma estabelecendo que a infração se caracterizará apenas se perpetrada no local do evento esportivo ou até uma distância de 5.000 metros (limite que deveria ser eliminado), já temos situações em que esta prescrição está sendo utilizada sem esta restrição (por aplicação direta ou analogia). No Rio Grande do Sul, por exemplo, há pessoas que, pelo prazo de até um ano, estão proibidas de freqüentar estádios durante os jogos, devendo, na hora dos eventos, comparecer a uma Delegacia e lá permanecer como punição por terem tumultuado eventos esportivos e até, numa das situações, por terem agredido dirigentes de outra equipe quando estes chegavam ao aeroporto (portanto, longe de qualquer evento esportivo). É a proteção da coletividade de consumidores e demais pessoas envolvidas com o esporte que não podem ser prejudicadas por marginais transvertidos de torcedores.
Aproveitando momento de tanta evidência do esporte, então, revela-se propício propor algumas alterações no Estatuto do Torcedor, como forma de nova evolução. São elas: a) Proscrever, com duras sanções, à ação dos cambistas. Embora o Estatuto possua um capítulo para regular a questão da venda de ingressos, a ação de cambistas ainda se constitui em uma ilicitude que está difícil de erradicar. Nos Jogos Pan-Americanos, por exemplo, todos os ingressos foram vendidos antecipadamente, mas os estádios e ginásios se apresentam praticamente vazios no momento das competições, por conta de que os ingressos se encontram em mãos de cambistas que exigem fortunas para revendê-los, praticando autêntico crime econômico contra quem deseja a aquisição para assistir o evento; b) Ampliar o seguro. Se já existe seguro obrigatório para o torcedor, porque não estender para todos os que adentram o estágio (ex.: para os vendedores ambulantes), mesmo que custeado por estes quando da autorização, afinal eles também são susceptíveis de acidentes ou danos acontecidos durante o evento esportivo; c) atribuir maior responsabilidade, com rigorosas punições para o clube, em razão dos atos danosos de sua torcida, independente de onde aconteçam, bastando que relacionados com o esporte (e não fazer recair só sobre o clube mandante), atendendo aos princípios da responsabilidade e da solidariedade previstos no CDC. Seriam medidas simples, mas úteis para contribuir no sentido da melhora desta área tão valiosa como lazer para o povo brasileiro.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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