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Uma aula de São Paulo através do futebol.
Morar em São Paulo é viver entre o inferno, devido a situações desagradáveis geradas pelo caos urbano, e o céu, através das experiências que só uma megalópole cosmopolita como a nossa é capaz de proporcionar. Para um fã de futebol, o menu é extremamente rico e diversificado. Nada menos que oito times da Grande São Paulo disputam atualmente as três divisões do Campeonato Brasileiro. Um deles, inclusive, desperta a simpatia de todas as torcidas “rivais”.
O Juventus, também conhecido como ‘Moleque Travesso’, pois costumava pregar peças nos times grandes, foi responsável por uma das mais prazerosas experiências que tive esse ano no futebol. No Campeonato Paulista, num sábado à tarde do começo de abril, fui assistir a um jogo do time no antológico estádio Conde Rodolfo Crespi, mais conhecido como Rua Javari, quase escondido em um dos bairros mais tradicionais da capital paulistana, a Mooca.
O estádio é envolvido por lendas e curiosidades pitorescas. Foi ali que, para uma platéia que estranhamente cresce com o passar do tempo, Pelé fez seu gol mais bonito, aplicando quatro ‘chapéus’ consecutivos antes de empurrar para as redes. Desde essa época pouco mudou no estádio, visto que até hoje as partidas devem começar no máximo até as 15:00, pois a falta de iluminação artificial impede jogos noturnos. Fatos que tornam a Rua Javari quase que um local mítico presente no coletivo imaginário dos fãs de futebol da cidade.
Por isso, resolvemos um dia assistir um jogo no local. O dia não estava muito bonito, ameaçava chover, mas nada desanimou os quatro bravos amigos - dois são-paulinos, eu incluso, e dois corinthianos. Driblamos os cambistas (até lá!), compramos nossos ingressos por volta das 14:30 e fomos almoçar na Esfiha Juventus, tradicional restaurante árabe nas imediações do estádio. E existe melhor definição de cosmopotilismo do que comer um prato árabe, num bairro italiano de uma cidade brasileira, à espera de um jogo inventado por ingleses?
Enquanto tínhamos no balcão à nossa frente kibes, esfihas e garrafas de cerveja, nuvens escuras começaram a se formar no céu da zona leste paulistana. Seria melhor comprar uma capa de chuva, o que fizemos na fila de entrada do estádio, de onde também ouvimos o primeiro grito de gol. Do Paulista de Jundiaí. Com 0x1 no placar, a fiel torcida juventina - composta em sua maioria por senhores na casa dos 50 e 60 - que lotava as cadeiras cobertas, se mostrava impaciente. Por muitas vezes quem pagava o pato era Ana Paula de Oliveira, assistente escalada pelo jogo e que pelas dimensões do estádio ficava a pouco mais de um metro do alambrado. Impropérios e 'delicadezas' eram berradas de acordo com o levantamento (ou não) da sua bandeira.
O Juventus, enfim, empatou, e com o gol veio a chuva. Nada demais, 20 minutos de água amenizados pela capa de chuva e por um reconfortante sol de fim de tarde. Pouco antes do intervalo, o auge gastronômico da tarde: canoles, aqueles cones fritos recheados com creme, típico doce italiano imortalizado no primeiro filme da trilogia 'O Poderoso Chefão' ("Leave the gun, take the canoli"). Vendidos a R$ 1, algumas centenas do doce são esgotadas antes da volta para o segundo tempo, deliciando e lambuzando os dedos de boa parte dos presentes.
Depois da mudança de lado, nos colocamos próximos à Ju-Jovem, atrás do gol, que não parou de gritar por um instante sequer. A tradição do Juventus está tão ligada ao bairro da Mooca - e, consequentemente, à própria história de São Paulo - que ainda é capaz de despertar a paixão de jovens torcedores, que empurram o time mesmo sabendo que títulos dificilmente virão um dia. E são recompensados, com a virada juventina e a vitória por 2x1. Com o fim do jogo e a alegria pela vitória, possíveis erros de arbitragem são esquecidos e a Ana Paula é ovacionada pelas cadeiras, que recebem em troca beijos de agradecimento enviados pela assistente/modelo. Da próxima vez, provavelmente a torcida trará revistas Playboy para devidos autógrafos.
Na saída do estádio, a caminho de um bar onde encerraríamos a tarde, nos deparamos com alguns desses jovens juventinos, vendendo camisas onde a inscrição em branco 'Mooca é Mooca' num fundo vinho simbolizava o sentimento dessas pessoas por esse bairro da cidade. Mais do que um time de futebol, o Juventus é a tradição viva da história de milhares de colonos italianos que ajudaram a construir a cidade.
Com o início da Série C do Campeonato Brasileiro, a Rua Javari voltará a ser palco dos jogos do Juventus. Ótimo programa para quem, além de gostar de futebol, quer ter uma verdadeira aula de São Paulo.
Fabio Pimentel
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