quinta-feira, 29 de novembro de 2007

As conseqüências da violência nos estádios - parte II

http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=44923

Antonio Baptista Gonçalves

Começamos a analisar algumas questões previstas no Estatuto do Torcedor, então seguiremos nesse esteio.Inicialmente analisaremos o artigo 22.

Artigo 22 - São direitos do torcedor partícipe:
I - que todos os ingressos emitidos sejam numerados; e
II - ocupar o local correspondente ao número constante do ingresso.

Inicialmente o torcedor deverá pelejar com uma gama infindável de cambistas a fim de adquirir o seu ingresso. “Meia-entrada? O doutô pode tentar na bilheteria, mas num tem mais ingresso não”.Frase costumeira e corriqueira de uma máfia mais forte e presente do que a temida japonesa, capaz de fazer Al Capone um mero aprendiz...Digamos que o torcedor tenha conseguido obter o seu ingresso por vias lícitas, ao chegar ao local indicado em seu bilhete irá se deparar com uma massa de pessoas e ao reclamar por seu assento ouvirá: “ô bacana, aqui não tem lugar marcado não, se quiser luxo fica em casa”. Resultado: o completo e total cumprimento do Estatuto.Escalemos um pouco mais o monte das soluções incompreendidas chamadas de Estatuto do Torcedor. O artigo 27 prevê o cômodo e pleno estacionamento a todos os presentes.

Artigo 27 - A entidade responsável pela organização da competição e a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo solicitarão formalmente, direto ou mediante convênio, ao Poder Público competente:
I - serviços de estacionamento para uso por torcedores partícipes durante a realização de eventos esportivos, assegurando a estes acesso a serviço organizado de transporte para o estádio, ainda que oneroso.

Tal medida será um amplo e irrestrito devaneio de um legislador que nunca acompanhou uma partida de futebol no Estádio do Morumbi.Tal local não possui nenhum serviço próprio ou conveniado e, novamente o torcedor se encontra envolto com “profissionais especializados”, mas com outra nomenclatura, afinal, o ramo de atividade é diverso, não é mesmo?Saem os cambistas e desfilam em praças públicas os flanelinhas. Pessoas que se oferecem para “cuidar” de seu carro por uma módica quantia pré-fixada, a qual deverá ser entregue compulsoriamente no ato, do contrário seu veículo poderá estar em condições “desfavoráveis” quando de seu retorno.Devaneios, porque existem estacionamentos! No Morumbi, em especial, existem barrancos para parar o seu veículo que, em caso de chuva, poderá sofrer uma “pequena” mudança de posição devido a um deslizamento. Ah sim, o convênio custa apenas R$ 30. Sem problemas, pois o fim pretendido é um belo espetáculo, não é? Então para assegurar um bom assento e uma visão razoável do jogo, o torcedor deve ir um pouco mais cedo. E, para o caso de ter fome não há o que reclamar, porque o Estatuto prevê a existência de alimentação e sem possibilidade de preços extorsivos.

Artigo 28 - O torcedor partícipe tem direito à higiene e à qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local.
Parágrafo 1º - O Poder Público, por meio de seus órgãos de vigilância sanitária, verificará o cumprimento do disposto neste artigo, na forma da legislação em vigor.
Parágrafo 2º - É vedado impor preços excessivos ou aumentar sem justa causa os preços dos produtos alimentícios comercializados no local de realização do evento esportivo.

Perfeito, em tese. Porque, na prática, um copo de água que custa alguns centavos em qualquer supermercado não é obtido por menos de R$ 2. Um refrigerante que equivale a menos de uma lata? É para já: R$ 3, por favor? Ué, mas é mais caro que uma garrafa de dois litros? Desculpe, mas se o senhor não está satisfeito...Depois de tantas elucubrações, minha mente já esvai em pensamentos insólitos e impropérios que devem ser ofertados por qualquer torcedor minimamente esclarecido.Para se livrar de tais insanidades o melhor é ir ao banheiro e colocar um pouco de água na face. Opção errada meu senhor, porque aqui não é a Inglaterra e o artigo 29 existe apenas para inglês ver...

Artigo 29 - É direito do torcedor partícipe que os estádios possuam sanitários em número compatível com sua capacidade de público, em plenas condições de limpeza e funcionamento.

Sanitários horríveis, sem louça, papel, higiene, etc. Será que este calvário nunca terá fim? Pois não, afirmará uma autoridade qualquer.A Copa de 2014 será feita aqui, logo todos esses problemas não mais existirão. E até lá? Mais pó de pirlim-pim-pim?A violência da torcida não se justifica em momento algum, mas e a violência perpetrada pelos organizadores contra os consumidores? O tratamento não é um pouco desproporcional?Será que o torcedor de futebol é um abastado que gastar rios de dinheiro comprando ingressos para acompanhar seu time e briga apenas para se divertir?Ou será que o torcedor é sistematicamente desrespeitado e uma provocação, por menor que seja, é apenas o estopim para explodir toda a fúria por ter sido feito de bobo pela cartolagem brasileira?Como exigir que a violência diminua se não existe um mínimo de dignidade no tratamento com o consumidor? Não será possível invocar os mandamentos do CDC (Código de Defesa do Consumidor) contra os organizadores dos jogos de futebol? Afinal, o próprio Estatuto equipara o torcedor a um consumidor:

Artigo 3º - Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.

E, se assim o for, será possível pleitear uma reparação com base nos artigos 66, 67 e 68 do CDC?
Artigo 66 - Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo 1º - Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
Parágrafo 2º - Se o crime é culposo;
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.
Artigo 67 - Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Artigo 68 - Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

As penas previstas pelo CDC são muito mais eficazes e aplicáveis do que o inócuo e ilusório Estatuto do Torcedor.Se os organizadores forem apenados por propaganda enganosa, com base no próprio Estatuto, será que a segurança dos estádios, as condições de alimentação, instalação e higiene seriam as mesmas?Seguramente não, quando se coloca uma ameaça sobre o bolso alheio os direitos deixam de ser vilipendiados. Que o torcedor se porte como consumidor e exija os seus direitos.
Quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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