terça-feira, 6 de novembro de 2007

Corintiano vigia própria performance

Folha de São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2007

Torcida festeja empate como título, mas passa jogo preocupada em fiscalizar cumprimento de "manual" que "ensina" fãs

Cambistas comercializam ingressos com preço mais baixo que o da bilheteria e cartolas trocam o drama em campo pela política

RICARDO PERRONE DO PAINEL FC

No dia em que enfim viram seu time sair da zona do rebaixamento do Brasileiro, os torcedores do Corinthians comemoraram um empate em casa como poucas vezes na história. Aos gritos de "maloqueiro e sofredor" e "segunda divisão é coisa do Palmeiras" deixaram o Pacaembu como se a equipe tivesse vencido o Atlético-PR. Pelo tamanho da festa, pareciam não ter notado que um time na rabeira da tabela não poderia ter deixado escapar dois pontos em seu território. Desfecho de uma tarde em que o corintiano se preocupou mais com o próprio torcedor do que com os jogadores do time. Essa é a estratégia usada diante da ameaça de rebaixamento: a torcida fez para a própria torcida faixas que serviam como um manual de comportamento. Uma delas ensinava até como deveriam ser usadas as bexigas distribuídas a cada um dos torcedores. Deveriam ser jogadas para cima, e não estouradas na entrada da equipe. Já os jogadores não tiveram direito nem a ouvir seus nomes entoados pelos torcedores, um a um, antes de o jogo começar, prática comum entre a maioria das organizadas do país. Há alguns jogos os corintianos deixaram de gritar os nomes de seus atletas. Ontem, nem Felipe teve direito a homenagem antes do início. E, com a bola rolando, após a primeira difícil defesa feita por ele no jogo, um grupo de quatro adolescentes puxou um coro para saldar o camisa 1. Foi abafado pelo berro de um torcedor, com certeza mais maduro. "Grita Corinthians", ordenou. Só um exemplo de como os corintianos monitoraram os próprios torcedores. Alguns deles deixaram de ver parte da partida. Como um, vestindo a camisa do argentino Carlitos Tevez, parcialmente encoberta por uma regata do clube. De costas para o gramado, colocava a mão no ouvido e provocava os demais: "Não estou ouvindo vocês, quero ouvir vocês", dizia para incentivar quem estava por perto na arquibancada. Ao seu lado, outro enchia os pulmões para se fazer ouvir: "Se cair, eu te levanto". Parecia ser uma promessa de empurrar o time caso se concretize o rebaixamento. Não era. Oferecia ajuda a um torcedor na faixa dos 50 anos, aparentemente embriagado, que, de costas para o campo, fazia força para se escorar com uma mão no alambrado. Com a outra, tentava reger a torcida. O gol logo no início espalhou um clima de festa pelo estádio. Mais uma vez, alguns torcedores deixaram de prestar atenção no time para admirar a si mesmos. Munidos de celulares com câmeras, fotografavam a coreografia nas arquibancadas. Nas tribunas, no intervalo, a equipe também não era o centro das atenções. Os cartolas pareciam ignorar o calvário do clube. Falavam só de política. O presidente Andrés Sanches não estava por lá. Segundo seus aliados, ficou nas cadeiras, num lugar em que costuma sentar-se para dar sorte. No mesmo setor, os torcedores deixaram o Pacaembu menos empolgados com o empate. E se esforçaram para driblar a blindagem feita pelas organizadas para evitar vaias. Xingaram o ala Iran. O técnico Nelsinho não escapou do coro de "burro". As duas manifestações, porém, foram abafadas pelos gritos de "Corinthians" que vinha das arquibancadas. Por lá, o barulho feito para empurrar a equipe só diminuiu no segundo gol atleticano. Uma inesperada coreografia tomou conta do estádio. Por alguns minutos, os torcedores ficaram com as mãos na cabeça. Outros cobriam o rosto com as mãos, como se rezassem. Muitos desabaram no chão. Enquanto parte da torcida tentava reanimar o estádio entoando "Eu nunca vou te abandonar" para o time, famílias deixavam o Pacaembu. Ao mesmo tempo, 11 policiais militares se agrupavam em frente a um portão no alambrado, no mesmo ponto em que, no ano passado, a torcida tentou invadir o gramado na noite da derrota para o River Plate que tirou o time da Libertadores. Provavelmente, a PM temia que a torcida cumprisse a promessa feita antes de o jogo começar, numa das poucas ameaças feitas ontem. Enquanto o placar eletrônico pedia o apoio de todos, as organizadas cantavam: "Se o Corinthians não ganhar, o pau vai quebrar". Mas o sentimento coletivo era mais de decepção do que de revolta. E o segundo gol corintiano afastou de vez a chance de um fim de tarde violento. O gol de Finazzi também serviu para mostrar que, nem em um momento crucial do jogo, alguns corintianos estavam atentos ao time. Um grupo de quatro deles discutia se o gol tinha sido de Finazzi ou de Betão. Foram interrompidos por outro, que fazia questão de exibir um ingresso da histórica final do Paulista de 77. Estranho. Assim como os cambistas que vendiam antes da partida ingressos de cadeira que valiam R$ 40 por R$ 30. E como o pequeno número de torcedores que comemorou o primeiro gol do Sport, adversário na disputa contra o rebaixamento, sobre o rival Palmeiras. Em outras circunstâncias, o estádio inteiro teria vibrado com o anúncio feito pelo placar eletrônico. Mesmo placar que divulgou o próximo episódio da agonia corintiana. Lembrou aos torcedores alvinegros que hoje começam a ser vendidas passagens para a caravana que as torcidas organizadas estão montando para acompanhar a partida em Goiânia, no próximo domingo, uma final às avessas.
Colaboraram EDUARDO ARRUDA e PAULO GALDIERI , da Reportagem Local

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