segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Brasil tem condições de sediar a Copa de 2014?

Folha de São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

TENDÊNCIAS/DEBATES

SIM

Preparação e superação dos problemas

MAURICIO MURAD

FOI O que o Brasil ouviu da Fifa. Único concorrente, pentacampeão mundial, maior celeiro de craques, rodízio entre continentes, boa avaliação dos inspetores. Deu tudo certo. A Copa de 2014 será mesmo aqui. O mais importante, agora, é saber o que vamos fazer com tudo isso. O Brasil foi escolhido apesar da violência, da corrupção, da impunidade. Nada disso é novo, embora alarmante. Novidade é o que podemos ganhar com a Copa. A Fifa e seus investidores exigem muito, mas também ajudam. E com essa gente não tem brincadeira. Os interesses são grandes, e prazos, metas, orçamentos e compromissos têm que ser cumpridos. Assim, a Copa é uma boa oportunidade para o Brasil experimentar coletivamente novos conceitos e melhores valores. Está no caderno de exigências da Fifa: avaliar, planejar e investir, tudo a curto, médio e longo prazo; mapear e controlar os problemas com ações de inteligência e prevenção; se preparar para aproveitar ao máximo o evento -antes, durante e depois. Afinal, é um direito e um dever ir além do campo esportivo, agregar valores e realizações que fiquem. Temos um histórico de vitórias dentro de campo. É hora de outras conquistas. A Copa é uma chance rara de nos obrigarmos a construir e cumprir minimamente esse plano estratégico. Os ganhos em termos de emprego direto e indireto, na cultura, na segurança e em outros domínios são conhecidos. Por isso, é bom aprender com quem já fez. Nossos laboratórios são o Mundial de 2006, na Alemanha, e o Pan de 2007, no Rio. Pesquisas ajudam no planejamento, na execução e na gestão do legado. Então, vamos convocar uma pequena seleção de resultados de pesquisa para auxiliar a avaliação. A Copa da Alemanha foi um projeto da sociedade e uma ajuda à inclusão e ao desenvolvimento. Por cinco anos, investiram em infra-estrutura, além de campanhas mostrando o evento como uma grande oportunidade, e o futebol, como patrimônio cultural. Não somos a Alemanha, mas temos sete anos pela frente. Não é muito, mas também não é tão pouco. É preciso começar já e estender ao máximo os efeitos da Copa. Devemos lembrar o que os alemães cantaram no Portão de Brandemburgo: "A Itália ganhou uma Copa, a Alemanha, uma alma". O Brasil precisa ganhar uma alma e passar a limpo suas instituições. Lá, a segurança foi prioridade, para garantir os investimentos e a integridade das pessoas. O apoio das polícias internacionais, tido como fundamental, seguiu o previsto: pesquisa, inteligência, prevenção, convivência. A lei foi aplicada com autoridade. Aqui, nosso estudo do Pan, com 2.410 homens e mulheres de diferentes idades, classes sociais e escolaridades, mostrou que, para 93%, a segurança é essencial na qualidade de vida. E 83% acharam que a segurança foi prioridade só no papel e que dela ficará pouco, "porque foi para gringo ver". A experiência alemã (e não o Pan) incorporou o que deu certo e deve ser o exemplo. Que tal aproveitar os investimentos e a pressão internacional da Copa para fazer da segurança uma real prioridade? Não é porque nos falta segurança que não devemos ter a Copa; devemos ter a Copa para ajudar a ter segurança, entre outros aspectos. A cooperação polícia-população, os fundamentos educacionais do esporte, o envolvimento das escolas e uma política para as áreas esportivas são precondições exigidas pela Fifa e devem ficar como legado. A pesquisa do Pan mostrou a necessidade de melhorar o transporte, o trânsito e a iluminação das ruas. Leis duras e ações preventivas. Integração entre município, Estado e União em políticas públicas e projetos sociais. Desde 2001, a Alemanha preparou 2006. O Brasil deve solicitar -e já- a ajuda alemã, como fez a África do Sul, sede de 2010. Isso é um direito previsto e bem-visto pela Fifa e seus patrocinadores. Não é um favor. A Copa de 2006 e o Pan de 2007 são o nosso pontapé inicial. Temos que fazer mais, organizar melhor e controlar os custos. Bilhões estarão em jogo e sob avaliação internacional. Nossa imagem também. Temos a obrigação de não perder essa. Esporte é atividade socioeducativa, expressão de identidade, fator de socialização. Uma Copa não resolve questões básicas, estruturais, mas pode ajudar. Depende de nós.

MAURICIO MURAD , 57, sociólogo, doutor em sociologia do esporte, é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do mestrado da Universo. É autor, entre outras obras, de ""A Violência e o Futebol, dos Estudos Clássicos aos Dias de Hoje".


NÃO

A quem serve a Copa no Brasil?

SÓCRATES e GUSTAVO VIEIRA DE OLIVEIRA

NÃO SE tem dúvida do êxtase que será uma Copa no Brasil. Festa e futebol é uma combinação perfeita para nós, brasileiros. É o que temos de melhor para mostrar ao mundo. Porém, ao observar esse grande evento no seu entorno, de forma mais profunda, percebe-se a distância que nos separa das condições e do merecimento para recebê-lo. O futebol é fenômeno social, parte fundamental da cultura do país, inegável elemento de identidade nacional e extremamente simbólico. O futebol brasileiro (dentro e fora de campo) muito diz sobre o que somos, nossos valores, a dinâmica social e as relações de poder. É uma mostra didática do que é o Brasil. A Copa não deve ser analisada sob ótica diferente. A falta de condições salta aos olhos nos primeiros movimentos realizados rumo à indicação e, a partir de agora, à organização desse megaevento. Ao verificar as lideranças que ameaçam tomar frente do processo, é possível antecipar o futuro de apropriação do bem coletivo, da personificação maliciosa da obra social difusa, da preponderância de interesses indignos e ilegítimos em benefício de si mesmos, de seu pequeno grupo e na defesa do podereco que eterniza essas práticas no futebol (e no país). O comitê organizador da Copa 2014 é o melhor retrato (conforme informação desta Folha): uma só pessoa, que tudo pode e a ninguém presta satisfação e contas. Um déspota! Mas não devemos nos preocupar. Qualquer evento esportivo acontece por si só. É só a bola rolar que as atenções se direcionam para o campo e esses "requintes" se esvaem e depois são esquecidos com a avalanche de informações direcionadas -especialmente as veiculadas pelo império midiático, onipresente e onipotente no futebol, que tem papel fundamental no atraso das instituições esportivas. Sempre foi assim no Brasil, não é? O que interesseiramente ignoram e querem que ignoremos é o potencial mobilizador e de transformação social desse fenômeno jogado com os pés. Essa é a legítima função do futebol, a qual, se aflorasse, não encontraria limites para transformar realidades, integrar culturas e pessoas, formar cidadãos e consciências, enfim, servir de vetor do desenvolvimento e da igualdade social. Essa é o entendimento fundamental que nos falta, a essência que daria sentido a uma Copa no Brasil e que, com esses valores, por beneficiar a todos (benefício verdadeiro, não apenas a felicidade fugaz por assistir a alguns jogos), nos faria, com muito orgulho, merecer tal evento. Nem mesmo se pode afirmar que há condições para as melhorias dos equipamentos urbanos, conseqüência do fato de sediar um evento dessa magnitude. É o que se verifica com a experiência do Pan. Apesar de inúmeras promessas de legados fantásticos e benfeitorias maravilhosas, passada a competição, pouco se verifica de melhoria na vida cotidiana do carioca. O que se viu foi uma imensidão de recursos públicos investidos de forma nada transparente, usados, em sua maioria, para maquiar ações sociais provisórias e, portanto, ineficientes, melhorias urbanas não prioritárias e para construir praças esportivas que servem aos mesmos citados anteriormente, seja em forma de concessões à exploração privada a preços ridículos, seja para um efêmero "circo sem pão" esportivo que sustenta esse podereco. Nesse cenário, o mais cruel é perceber que o único que merece vivenciar uma Copa do Mundo, devido à paixão delirante dedicada ao futebol, pela intensidade com que esse esporte é parte de sua cultura e identidade, é aquele que, também por tudo isso, não é estimulado a discernir sobre a manipulação de sua paixão e a enxergar essa realidade -ou seja, o torcedor e o povo brasileiro. Sob esses aspectos, com uma visão mais profunda e complexa, que insere a Copa do Mundo e o próprio futebol dentro do contexto social e político, driblando a idéia e o poder dos contrários, enfim, por ir além da festa e do futebol, mesmo que sufocando o torcedor dentro de nós, não vemos condições de o Brasil sediar um evento com tal magnitude e simbolismo e, ao mesmo tempo, proporcionar transformações na realidade social do nosso país, que é o que a nós (sonhadores de um Brasil mais humano e justo) interessa.

SÓCRATES BRASILEIRO SAMPAIO DE SOUZA VIEIRA DE OLIVEIRA , 53, é médico e ex-jogador de futebol (Copa do Mundo de 82 e 86). GUSTAVO CECILIO VIEIRA DE OLIVEIRA , 30, é advogado, especializado em administração esportiva pela FGV.

03/11/2007 - 15h41m - Atualizado em 03/11/2007 - 16h06m, GLOBOESPORTE.COM No Rio de Janeiro

Sócrates ataca Copa de 2014 no Brasil

Para craque, evento não trará transformações sociais que o futebol pode proporcionar

http://globoesporte.globo.com/ESP/Noticia/Futebol/Campeonatos/0,,MUL168162-9790,00-SOCRATES+ATACA+COPA+DE+NO+BRASIL.html

O ex-jogador de futebol Sócrates expôs pesadas críticas ao atual projeto da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Para o médico, não há dúvida quanto ao ‘êxtase’ que envolverá o evento em solo brasileiro. No entanto, o craque defende que o futebol não pode se restringir à alegria dos 90 minutos. O esporte, na opinião dele, é muito mais do que isso: tem função social e cultural imensa no país. Ao lado de Gustavo Vieira de Oliveira, advogado especializado em administração esportiva, Sócrates assina texto na página de opiniões do jornal “Folha de S. Paulo”, deste sábado: “O Brasil tem condições de sediar a Copa de 2014?”. O ex-jogador respondeu “não” a essa pergunta e se opôs ao doutor em sociologia do esporte Mauricio Murad, que confia no país como sede de um evento de tal porte e importância, desde que haja preparação e superação dos problemas. O ex-jogador foi taxativo ao criticar, sobretudo, as lideranças da organização do evento mundial. - O comitê organizador da Copa 2014 é o melhor retrato (conforme informação desta "Folha"): uma só pessoa, que tudo pode e a ninguém presta satisfação e contas. Um déspota! – diz Sócrates em seu texto “A quem serve a Copa no Brasil”. Para o médico, a falta de condições para que o Brasil seja sede da Copa “salta aos olhos”. E ainda pior: mesmo que sejam criadas condições, feitas reformas e construções e ainda que seja implantada toda uma infra-estrutura, todas essas benfeitorias serão “provisórias e, portanto, ineficientes” e não trarão nenhuma mudança social de fato. Dessa forma, o potencial mobilizador e de transformação social do futebol seria absolutamente ignorado. De acordo com o ex-jogador, é esse quadro que pode ser visto depois de o Rio de Janeiro ter sediado os Jogos Pan-Americanos. Sócrates ainda acredita que quem sai mais prejudicado em relação à forma errada como o futebol e a Copa do Mundo são interpretados pelas lideranças desse processo é o povo. - Nesse cenário, o mais cruel é perceber que o único que merece vivenciar uma Copa do Mundo, devido à paixão delirante dedicada ao futebol, pela intensidade com que esse esporte é parte de sua cultura e identidade, é aquele que, também por tudo isso, não é estimulado a discernir sobre a manipulação de sua paixão e enxergar essa realidade – ou seja, o torcedor e o povo brasileiro - afirma o médico.

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