segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Promotora aciona CBF por Fonte Nova

Folha de São Paulo, 01.12.07

Ministério Público Estadual pedirá destituição do presidente da confederação e indenizações por mortes no estádio

O Bahia, o governo do Estado e a Polícia Militar também serão apontados pela Promotoria como responsáveis por acidente

RODRIGO MATTOSDA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público Estadual da Bahia pedirá a responsabilização cível da CBF pelo acidente com sete mortes no estádio da Fonte Nova, no jogo entre Bahia e Vila Nova, pela Série C do Brasileiro.A inclusão da confederação baseia-se no Estatuto do Torcedor. Segundo o artigo 19 da lei, a entidade organizadora da competição -no caso a confederação- responde "pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios", "independentemente de culpa".
A legislação também inclui o Bahia, mandante do jogo, como responsável pelos danos aos torcedores. A Promotoria ainda acionará a Sudesb, administradora do estádio, e a PM, que controlava o acesso do público.
De todos esses órgãos, serão cobradas indenizações para os parentes das sete pessoas mortas e pelos cerca de 60 feridos. Os danos foram causados pela queda de parte da arquibancada da Fonte Nova.
"Há uma omissão na fiscalização do estádio. A Sudesb e a CBF, como organizadora da competição, tinham que fazer esse papel", afirmou a promotora de Justiça do Consumidor baiana Joseane Suzart, que apresentará a ação à Justiça no início da próxima semana.
Também a partir de segunda-feira, a Promotoria pretende começar a ouvir parentes de pessoas mortas e feridos. A intenção é apurar as condições de vida e financeiras das pessoas atingidas para determinar pedidos de indenização.
Foi a promotora quem tentou interditar a Fonte Nova, ainda em 2006, por problemas estruturais. A Justiça nunca analisou seu pedido.
Suzart ainda pedirá a destituição do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, por descumprimento ao Estatuto do Torcedor. Também fará o mesmo com o presidente do Bahia, Petrônio Barradas.
Pelo artigo 23 do Estatuto, a CBF tem a obrigação de enviar laudos técnicos dos estádios onde serão realizados jogos das competições que organiza.
"Nunca foram encaminhados [da Fonte Nova] para o Ministério Público da Bahia. Sou eu quem cuida destas questões, e não chegou", afirmou Suzart.
Segundo ela, só o Bahia enviou um dos laudos necessários, ainda neste ano. Mas não houve correspondência da CBF ao Ministério Público.
O artigo 37 da legislação prevê que os dirigentes das entidades que violarem determinados itens do Estatuto, entre eles a obrigação de entregar laudos, serão destituídos.A CBF sabe que tem de mandar os laudos para os promotores estaduais, tanto que essa tarefa consta do item 19 do Plano de Ação da Série C, publicado no site da entidade. Na internet, há ofícios da confederação pedindo às federações que lhe enviem os documentos.
O Regulamento Geral de Competições da confederação ainda diz que os jogos só podem ser realizados com a aprovação das autoridades competentes e com laudos apresentados com 30 dias de antecedência do início do campeonato.

OUTRO LADO: CONFEDERAÇÃO NÃO COMENTA

A assessoria da CBF informou que não falaria sobre a ação do Ministério Público da Bahia que a responsabiliza, entre outros órgãos, pelo acidente na Fonte Nova. A entidade diz que só fará comentários quando receber informações oficiais sobre o caso. Até agora, a entidade apenas publicou uma nota em seu site lamentando as mortes e se solidarizando com parentes. Quando questionado sobre o assunto, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, mostrou pouca disposição para falar sobre o tema. Já a Fifa disse, na segunda-feira, que o acidente não abalaria a decisão de o Brasil sediar a Copa-2014.

CONFETE: SITE PRIORIZA FESTA NA SEMANA

Durante a semana posterior à tragédia da Fonte Nova, com sete mortos, o site da CBF só dedicou uma de suas 18 notícias publicadas a falar sobre o acidente. É uma nota de lamentação de Ricardo Teixeira. Em compensação, a festa dos prêmios de craques do brasileiro recebeu a atenção de cinco notícias da entidade. As seleções das diversas categorias também tiveram cinco notas publicadas. Até a agenda de Teixeira recebeu mais atenção: teve duas notas. Foram noticiadas visitas ao dirigente da CBF recebidas de políticos e cartolas. A entidade ainda publicou escalas e horários de jogos.

Entidade tenta se livrar de tarefas

DA REPORTAGEM LOCAL
Os regulamentos e instruções da CBF mostram uma intenção de se eximir de responsabilidades e tarefas que lhe são atribuídas pelo Estatuto do Torcedor.
Por exemplo, em ofícios, a CBF pede às federações que providenciem os laudos técnicos dos estádios. Só que, pela lei, a confederação é quem tem essa tarefa nos campeonatos nacionais.
No item 17 do Plano de Ação da Série C, está dito que tem de haver um levantamento de situações de risco para o torcedor no estádio. Em seguida, a CBF diz: solicitamos que as federações e os clubes busquem empresas de engenharias (especializadas em risco) e órgãos da Defesa Civil. Não se tem notícia de laudo técnico independente da Fonte Nova, que tenha sido pedido pelo Bahia.
O Estatuto do Torcedor prevê que os clubes têm de zelar pela segurança dos torcedores. Mas afirma que a CBF responde também pelos danos à torcida.
"A CBF parece criar regramentos próprios para se eximir e ter um cheque em branco", afirmou o advogado Luiz Roberto Leven Siano, especializado em direito esportivo. "O que importa não é que o ela faz ou não, mas o resultado. Ou seja, se o torcedor teve segurança ou não.
"O Regulamento Geral de Competições prevê, em seu artigo 11, que exista uma inspeção aos estádios onde haverá suas competições. Só que não é especificado quem fará essa vistoria. E o regulamento torna essa inspeção inócua, visto que o estádio pode ser aprovado só com o aval de autoridades locais.
No seu documento intitulado "Check list do Estatuto do Torcedor", a CBF faz um comentário de que o artigo 19 tem provocado "muita polêmica" diante da afirmação de que há responsabilidade independentemente de culpa. Essa artigo a atinge.
E acrescenta que: "Cabe ressaltar, entretanto, que sempre caberá ao correspondente processo legal, a ser instaurado sobre o fato concentro, a definição de responsabilidades". (RM)

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