segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Rebaixado, Corinthians consegue "derrotar" até a torcida

03/12/2007 - 09h18

MÁRVIO DOS ANJOS da Folha de S.Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u350650.shtml

Décimo-segundo e mais importante jogador da história corintiana, a torcida ontem parecia reavaliar seu papel. O ano de 2008 será lembrado como aquele em que um time do Parque São Jorge derrotou a Fiel.
Quando o árbitro Alício Pena Júnior encerrou a agonia, veio à tona um sentimento de impotência de uma massa de anônimos que sempre se orgulhou de jogar junto com a equipe e vencer os piores desafios.
Um sentimento vivido no Tatuapé, no Bom Retiro, na Vila Madalena, nos Jardins, onde quer que houvesse uma concentração. Mas, na quadra da Gaviões, epicentro da paixão corintiana no bairro do Bom Retiro, era mais especial.
Um torcedor se deitou no chão. Outros choravam, escorados em paredes, agachados na porta. Casais se abraçavam. "Eu nunca vou te abandonar, Corinthians", gritavam alguns. "Ano que vem, não tem erro, a gente tira", prometiam outros.
Na quadra da principal organizada, que migrou em massa para Porto Alegre, não havia ninguém meia hora antes da partida. Aos poucos, porém, cem torcedores chegaram para assistir ao jogo --ou melhor, a uma noção dele-- numa TV de 20 polegadas, vinda do barracão. Cheia de fantasmas. Sem som. De fato, corintiana.
Segundo o metalúrgico e gavião Carlos Henrique, da Ponte Rasa, a TV só foi conseguida aos 20min do primeiro tempo, e as caixas de som não davam vazão. A solução foi abrir o porta-malas de um carro com rádio AM.
Cenário bastante diferente do bar Museu Preto e Branco, tradicional reduto corintiano. Telões e TVs transmitiam o jogo diante de mais de 400 mosqueteiros de todas as castas.
Ali tinha um bando de loucos.
Lá, ex-jogadores, como Zé Maria e Adãozinho, e ex-cartolas, como Marlene Matheus, mesclavam-se ao sofrimento de anônimos kalungas, suvinis, pepsis e samsungues num calor infernal. Tirar a camisa era proibido, tanto por respeito ao bar quanto pelo time.
O telão promovia a simbiose dos que foram com os que ficaram. Cada vez que as câmeras obsessivas focalizavam torcedores cantando, o bar se juntava à arquibancada corintiana do Olímpico num uníssono que cobria os 1.109 km de distância entre as capitais de SP e RS.
A Fiel havia agüentado bem o baque no gol precoce de Jonas. Mesmo com muitos de seus membros em lágrimas, continuava cantando. O Tatuapé incendiava o time, o Corinthians melhorava, Clodoaldo empatou a partida. Intervalo.
Marlene Matheus sorria, confiante. Jamanta, primeiro torcedor a envergar a camiseta do "Fora Dualib", mostrava outra roupa, com os dizeres: "Brasileiro sem Corinthians é como Copa sem Brasil."
A reportagem vai atrás de outros sinais da via-crúcis. Nas calçadas, poucas pessoas. Trânsito bom na Radial Leste. São Paulo parecia estar em casa ou estacionada diante das TVs.
Pelo rádio, ouve-se que há um pênalti cobrado três vezes no Serra Dourada. O Corinthians voltava à zona de rebaixamento e, num Siena ao lado do carro da reportagem, um pai de família comemorava, ao lado da mulher e de duas crianças.
O trânsito torcia contra o Corinthians. Poucos metros antes do Preto e Branco, no começo do primeiro tempo, uma moça no semáforo entregava um panfleto imobiliário perguntando quase ao mesmo tempo se o Grêmio tinha feito 1 a 0. Diante do sim, satisfez-se.
A reportagem volta à quadra do Bom Retiro. O 2 a 1 do Goiás estava estabelecido, e o Corinthians já não ia mais à frente com a freqüência de antes. Escanteios, cada vez mais escassos, eram aplaudidos.
A rádio AM avisava: fim de jogo em Goiás. "Ai, Corinthians, não faz isso...", murmura um gavião, roendo as unhas. Alguns abandonavam suas cadeiras de plástico, incrédulos.
O Timão não encontrava o caminho do gol, por mais que cada torcedor orientasse. Não bastou ser Fiel a cada jogo, o ano inteiro. Hiper-reforçado por investidores russos, cartolas de moral dúbia, três técnicos e muitos jogadores limitados, o Corinthians conseguiu o incrível: derrotou a Fiel.

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