quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Estratégia para a Copa 2014

O Globo, 02.01.2008

As vias para a primeira Copa com compromisso social podem ser varias

JORGE LUIZ BARBOSA ( Coordenador do Observatório de Favelas )

Definido o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, agora 18 cidades brasileiras competem entre si para receber os jogos da Copa. Calcula-se que não mais do que 12 serão escolhidas.Difícil imaginar que o Rio de Janeiro ficará de fora. Uma das maiores economias do país, o Rio recebe turistas o ano inteiro, conta com experiência em grandes eventos, tem tradição no futebol, apesar da fase ruim dos times cariocas, e o Maracanã ainda é um monumento do esporte mundial.

No dia posterior ao anúncio oficial da Fifa sobre a sede da Copa, os jornais cariocas especulavam sobre os bilhões públicos e privados que seriam necessários investir para o evento, como e em que eles seriam gastos. Citavam-se instalações esportivas, aeroportos, segurança, redes de comunicação, serviços em geral, uma lista de tarefas com perfil não muito diferente do das ações para o Pan 2007.

Ao contrário do que ocorreu com o Pan, o Rio de Janeiro, os governos, o setor privado e a sociedade civil precisam pensar de forma estratégica, mais a longo prazo, quando planejarem as realizações que pretendem com a Copa do Mundo. O torneio abre uma janela de investimentos e atenção pública que permite, para além de construir estádios e cumprir demandas pontuais, enfrentar problemas socioeconômicos e estruturais históricos, pagar parte do nosso passivo social e transformar realmente a cidade. Isso é o correto do ponto de vista estratégico e é o justo do ponto de vista ético.

Os investimentos sociais e sustentáveis e os procedimentos para aplicá los devem ser obrigações listadas no documento de encargos que os governos e a sociedade terão de cumprir durante os sete anos de organização da Copa. Num país de desigualdades tão profundas como o Brasil, numa cidade de desigualdades como o Rio, não faz sentido realizar uma Copa cujos ganhos em infraestrutura e serviços não cheguem a toda a população. Tampouco é moral aplicar recursos públicos num evento que beneficie mais uns poucos do que muitos outros.

As vias para a primeira Copa do Mundo com compromisso social podem ser várias, e o debate sobre elas deveria começar desde já. Elas podem envolver um fórum participativo para decidir sobre o uso dos recursos públicos destinados ao evento, procedimentos de gestão para dar transparência ao uso desse dinheiro, obrigações em responsabilidade e investimentos sociais para as empresas patrocinadoras e, sobretudo, uma agenda política que contemple iniciativas de promoção e garantia de direitos sociais.

Em relação à segurança, o poder público faria bem se estimulasse a composição de fóruns comunitários para dialogar com a população, inclusive com os moradores das favelas.

Não é possível mais violar os direitos de milhares de habitantes da cidade, colocando soldados e equipamentos militares nas suas portas, submetendo-os a revistas diárias, para supostamente garantir a segurança.

Repartir a cidade e hierarquizar a cidadania aprofunda as desigualdades e, a médio prazo, agrava a violência.

A necessidade e a pertinência dessa agenda de procedimentos e investimentos sociais para a Copa do Mundo ficam claras no documento “Diagnóstico Social e Esportivo de 53 Favelas do Rio de Janeiro ” ( www.legadosocial.org.br), levantamento do Observatório de Favelas, em parceria com o Ministério dos Esportes, divulgado durante o Pan. O diagnóstico mostrou que os investimentos do Pan não representaram melhoria alguma para as comunidades pesquisadas.

Faltavam instalações esportivas, serviços urbanos, serviços de saúde, educação, lazer. Sobravam mortes violentas de jovens do sexo masculino.

Entre as favelas pesquisadas para esse diagnóstico, estava a do Jacarezinho, onde nasceu Romário, o embaixador da Copa do Mundo de 2014. O atleta é uma prova de que o futebol consiste num dos raros caminhos para a ascensão social de jovens de espaços populares. Mais do que isso, o futebol e a seleção têm proporcionado nas últimas décadas, de quatro em quatro anos, talvez a única ocasião na qual o Brasil se mobiliza por completo. Que em 2014 Estado e sociedade aproveitem essa oportunidade, ousem mais do que em 2007 e façam da Copa uma mobilização por uma sociedade justa, solidária e integrada.

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