domingo, 11 de maio de 2008

Batalhas verbais

14 de Maio de 2008 , Futebol

A Fifa premia estudo de alemão sobre discriminação nas torcidas cariocas

http://vejabrasil.abril.com.br/rio-de-janeiro/editorial/m469/batalhas-verbais

Patrick Moraes

"Ela, ela, ela /Silêncio na favela"
(das torcidas adversárias para a do Flamengo)

"Eu não sou vascaíno / Eu não sou vascaíno
Eu não vendo pão / Eu não vendo pão"
(das torcidas adversárias para a do Vasco)

O grito ecoa pelas arquibancadas do Maracanã assim que o Flamengo sofre um gol: "Ela, ela, ela, silêncio na favela". A provocação habitual pode passar despercebida pelos cariocas. Mas não por um alemão. O cientista social Martin Curi, radicado há seis anos no Rio, estuda, em parceria com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), as manifestações das torcidas, focado no repertório de discriminação racial, social e sexual presente nos estádios. "De todas, essa é a frase mais pesada", avalia Curi. "Eu fico chocado com o fato de as pessoas gritarem isso." O projeto foi premiado pela Fifa com 5 000 dólares, usados para a criação de um site (www.racismonofutebol.org.br), a realização de entrevistas e a produção de banners e folhetos.
Curi visitou o Brasil pela primeira vez em 2000, para uma viagem de seis meses. Tinha dois objetivos: ver futebol e aprender português. À medida que ganhou vocabulário, adquiriu nova visão sobre o país. "A discriminação aqui é diferente da que existe no meu país", acredita. "Na Alemanha, querem os estrangeiros e negros fora de lá; aqui, existe uma opressão." O cientista social, que torce pelo Fluminense, vê como exemplos as provocações às origens portuguesas do Vasco, as ofensas aos torcedores mais pobres do Flamengo e o afastamento da auxiliar de arbitragem Ana Paula Oliveira. "Ela sofreu todos aqueles ataques por ser mulher", entende. "Se fosse o Carlos Eugênio Simon (árbitro que representou o país na última Copa), não haveria a mesma intensidade."

Nas semifinais da Taça Rio, em abril, Martin e Luciano Cerqueira, do Ibase, ouviram oitenta torcedores sobre o tal grito de "silêncio na favela" e o uso de termos como pó-de-arroz e bacalhau, empregados para se referir aos torcedores de Fluminense e Vasco, respectivamente. "A grande maioria afirma que são apenas brincadeiras, que começam e terminam dentro do estádio", diz Cerqueira. "Mas quem garante isso?"
"Não é a nossa meta reeducar os torcedores. Seria muito chato um jogo sem provocações, mas existe um meio-termo", afirma Curi. A dupla já percebeu, recentemente, mudanças sutis, com cantos mais elaborados e sem palavrões – ou bem pesados, como os refrões inventados pela torcida do Botafogo, no jogo de domingo passado contra o Flamengo, para tripudiar sobre o atacante Ronaldo pela confusão em que se meteu com três travestis. "A rivalidade não precisa se basear na discriminação", defende Cerqueira. "Queremos é estimular o debate sobre o tema."

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