segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Relatório do TCU aponta indícios de superfaturamento nas obras da Vila Militar e em despesas com tecnologia

O Globo, 25.09.08, p. 24


BRASÍLIA. Desorganização, falta de planejamento e gastos muito acima das previsões.
Este é o diagnóstico do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o uso de dinheiro público nos Jogos Pan-Americanos de 2007. A corte aprovou ontem um relatório com críticas pesadas aos investimentos do governo federal no evento. De acordo com a auditoria, a União desembolsou R$ 1,6 bilhão com o Pan — 1.589% acima da previsão inicial, apresentada em abril de 2001. No total, a estimativa do TCU é que foram gastos — com repasses do estado e do município também — R$ 3,3 bilhões no evento. Foram encontrados indícios de superfaturamento nas obras da Vila Militar, em Deodoro, e em despesas com tecnologia.
Ao apresentar suas conclusões, o relator da auditoria, ministro Marcos Vinicios Vilaça, culpou o Ministério do Esporte pelos erros mais graves na organização do Pan. A pasta terá 30 dias para prestar contas sobre convênios sob suspeita de desvio e má aplicação de recursos. Um exemplo citado é o uso de verba federal na compra de tochas pelo Comitê Organizador do Pan (CO-Rio). O custo unitário das tochas saltou 169%, dos R$ 759 previstos para R$ 2.042.

— O Ministério do Esporte foi o maior responsável pelo planejamento precário que permeou o evento. Estado, município e o Co-Rio também foram responsáveis, mas o principal foi o ministério — sentenciou Vilaça.

‘Nenhuma obra de relevância foi planejada’

Para o TCU, o Rio desperdiçou uma oportunidade preciosa de aproveitar o Pan para resolver problemas em áreas estratégicas, como transporte e meio ambiente. Em seu voto escrito, Vilaça lembrou que cidades como Barcelona usaram competições esportivas — no caso, as Olimpíadas de 1992 — para superar crises e melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Para o ministro, isso não aconteceu no Pan, e o setor de infra-estrutura urbana foi o que menos obteve benefícios com os jogos.
“Nenhuma obra de relevância foi planejada ou realizada no Rio em decorrência do evento. Ao contrário, algumas intervenções viárias (...) foram arquivadas sem que ao menos fossem iniciadas”, escreveu o relator. “Ao ser selecionado para receber os Jogos Pan-Americanos, o Rio teve um motivo adicional e uma oportunidade para solucionar pelo menos parte dos problemas ambientais que nos prejudicaram na avaliação do COI. Infelizmente, não houve nada além de iniciativas tímidas, insuficientes”.
Vilaça afirmou que a cidade precisa investir mais em preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico para ter chance de sediar as Olimpíadas de 2016. Ao comentar a falta de atenção a essas áreas no Pan, ele criticou a obra da garagem de barcos na Marina da Glória, embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

— Houve um intervencionismo aviltante à paisagem.
Ainda estão lá os pilares de concreto, que são uma agressão ao mar, ao patrimônio histórico e a tudo — afirmou.
O tribunal aponta que o atraso em obras do Pan sob responsabilidade do estado e da prefeitura obrigou a União a liberar verbas às pressas para garantir a realização do evento. Vilaça afirmou que a demora em entregar obras impôs gastos extras e ainda não calculados aos cofres públicos.

— As estruturas acabaram sendo concluídas de um jeito ou de outro, mas sempre com custo muito alto. O que se constata é que as obras do Pan tiveram custo superior ao que teriam numa situação normal — disse.

Ministro critica abandono de instalações esportivas

O ministro também criticou o abandono de instalações esportivas erguidas para os jogos, como a pista de atletismo do Estádio João Havelange (Engenhão).
Ele chegou a relacionar a falta de uso dos equipamentos, que poderiam ser aproveitados para formar novos atletas, ao desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Pequim: — A pista de atletismo do Estádio João Havelange é a melhor do Brasil e não está sendo utilizada porque o Botafogo não permite. Esse tipo de desprezo e falta de sensibilidade é responsável por desempenhos como o das Olimpíadas, em que a gente fracassa por não ter equipamentos adequados para o treinamento dos atletas.
As suspeitas de irregularidades ainda são alvo de processos específicos no TCU. O relatório aprovado ontem encerra o trabalho de acompanhamento da organização dos jogos, mas não aponta culpados por possíveis desvios.
Em nota, o Ministério do Esporte informou que os pedidos do TCU têm sido respondidos prontamente e que a responsabilidade inicial pelo planejamento do Pan não era do governo federal, que reforçou sua atuação em 2005 diante de dificuldades enfrentadas pela prefeitura e pelo CO-Rio.

Nenhum comentário: