terça-feira, 2 de março de 2010

A banalização da morte

JUCA KFOURI


Folha de São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

--------------------------------------------------------------------------------
Mais um cadáver, outros 20 feridos, brigas de gangues espalhadas por aí e, na verdade, nada é novidade
--------------------------------------------------------------------------------



O OMBUDSMAN até andou reclamando em suas críticas internas, surpreso com a aparente naturalidade com que a editoria de Esporte tratava a questão da violência entre torcedores. Já o colunista criou uma palavra, ao inventar o trouxedor. Para azar nosso, tanto o colunista, José Roberto Torero, quanto o ombudsman, Carlos Eduardo Lins e Silva, despediram-se de suas funções nesta Folha.
O trouxedor desorganizado é mesmo um ser desamparado, e o jornalista que trata de esportes é alguém impotente diante da barbárie que cansou de denunciar sem nenhuma consequência.
Por mais que tenhamos a obrigação de persistir, de insistir, de não desistir, é o leitor, o ouvinte, o telespectador que nem quer mais saber desses episódios.
É como se todos estejam convencidos de que o Estado brasileiro é ausente e incompetente para cuidar da questão. Como foi e é para tratar da favelização, das enchentes, do saneamento básico, da educação, da saúde, questões postas há mais de 500 anos e muito mais bem resolvidas em países da nossa idade, como os Estados Unidos, ou mais jovens, como a Austrália.
Porque faltam inteligência, prevenção, repressão e punição para tratar da violência entre as gangues travestidas de torcedores de futebol, gente que se espalha pelos estádios, pelas adjacências deles, longe deles, bem longe deles, pelo país afora. Faces de uma mesma moeda realçadas em torno dos jogos de futebol, mas que, de fato, fazem parte do nosso dia a dia, nos assaltos nas esquinas, nos embates de traficantes de drogas entre si e contra a polícia e até nos trotes universitários.
As coisas chegaram a tal ponto que deixam mesmo de ser notícia, porque se tornaram banais.
Como se tornaram comuns as manifestações de estrelismo dos encarregados de tratar da questão pelo Ministério Público paulista, alguns se transformando em deputados, como Fernando Capez.
Outros, como o promotor de Justiça Paulo Castilho, confundindo alhos com bugalhos, a ponto de chamar Margareth Tatcher de rainha da Inglaterra na ESPN Brasil, e vítima do mesmo deslumbramento de seu antecessor.
Não bastasse, ainda convivemos com cartolas que frequentam as quadras dessas gangues e lá discursam com palavras hostis, como Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras, que cita Jean-Paul Sartre quando quer responder às bobagens de Vanderlei Luxemburgo, a quem já tratou como "gênio da raça" em entrevista ao jornal "Valor", mas grita "vamos matar os bâmbis!" na Mancha Alviverde.
Ou financiam seus desfiles carnavalescos, como Andres Sanchez, do Corinthians, com a Gaviões da Fiel, para redundar em selvagens agressões no sambódromo.
Tudo isso no país do presidente corintiano Lula; do governador paulista palmeirense José Serra; do governador carioca vascaíno Sérgio Cabral e do governador mineiro cruzeirense Aécio Neves, para não falar da governadora gaúcha gremista Yeda, cruzes!, todos tão impotentes como os jornalistas e tão entediados como os leitores.
Com a diferença de não cumprirem com as suas obrigações.

Nenhum comentário: