sexta-feira, 20 de abril de 2007

Futebol e homofobia

por Caio Maia, 19/abril/2007, Trivela
http://www.trivela.com.br/default.asp?pag=ExibirMateria&codMateria=2434&coluna=6

É uma piadinha da época do meu avô: “Que time é teu?”, pergunta o engraçadinho, e o desavisado responde com qualquer equipe. E ouve: “O time inteiro te meteu?” Uma piada antiga, de uma época em que, por exemplo, fazer piadas racistas não era considerado de péssimo gosto. E em que a homossexualidade era quase um crime.

Foi essa a manchete do diário “Lance” na última segunda-feira, um dia depois que Richarlysson, jogador do São Paulo, marcou um gol contra na semi-final do campeonato paulista. Na redação, é provável que adolescentes recém-entrados na faculdade tenham dado risadinhas pensando no excepcional “duplo sentido” da piadinha. O que é difícil de acreditar, embora deva ter acontecido, é que tenha havido alguma pessoa de mais de 21 anos na redação, presumivelmente com poderes de determinar a manchete da edição mais importante da semana, e que essa pessoa achou engraçado estampar na capa do jornal uma piada grosseira e absolutamente sem graça insinuando que o jogador do São Paulo é homossexual.
[...]

Esta credibilidade (do Lance!), porém, fica indelevelmente marcada pela brincadeira adolescente da redação. A dignidade de Richarlysson foi pisoteada, não por se ter insinuado que o jogador é homossexual, mas pela maneira como isso foi feito. Não tenho a menor idéia – nem o menor interesse em saber – se ele gosta de meninos, meninas, cabras ou marcianos. Tenho todo o direito, porém, como cidadão, de esperar que uma publicação com a importância do Lance respeite não só sua opção como também seu direito de declará-la ou não.

O preconceito contra os homossexuais é cada vez menos comum. Em numerosas áreas de atuação profissional e social, não se faz distinção entre as pessoas por causa deste tipo de escolha. O futebol, porém, é uma das áreas em que a idade da pedra persiste. Como disse o goleiro David James, da Inglaterra, em artigo publicado recentemente no Guardian, se um em cada dez homens são gays, onde estão os gays do futebol? O goleiro lembra o caso de Justin Fashanu, que, além de ser declaradamente gay, era negro. Acabou cometendo suicídio oito anos depois de admitir publicamente que era gay. Antes disso, teve a carreira devastada por um dos maiores técnicos da história do futebol: Brian Clough, do grande Nottingham Forest do começo dos anos 80, se declarava abertamente incomodado pelo fato de o jogador, o primeiro negro a ser comprado por mais de 1 milhão de libras, freqüentar boates gays.

Fashanu é até hoje considerado o único jogador de futebol a assumir publicamente sua homossexualidade. Não é difícil entender porque. Vivemos em uma sociedade ainda conservadora e machista, na qual o ódio contra gays é freqüentemente visto de maneira leniente. Costureiros gays são aceitos, assim como artistas. Jogadores de futebol, porém, pertencem à categoria dos “machos modelo”. Não podem ser gays.

Historicamente, situações como essa se alteram pelo poder de influência de uma vanguarda, normalmente concentrada nos meios de comunicação. O Lance optou por um outro caminho. “Que cara mala, foi só uma brincadeirinha!” Como já dito acima, piadas racistas, há pouco tempo atrás, também eram consideradas só uma brincadeirinha. O Lance é importante demais para não perceber a importância que tem uma atitude como a que tomou.

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