terça-feira, 29 de maio de 2007

O jogo dos sete erros

JOSÉ GERALDO COUTO

Folha de São Paulo, 27.05.07

O Maracanã viu festival de erros na quarta, mas a torcida escolheu seu bode expiatório, a única mulher em campo

A BEM DA VERDADE , não sei se foram sete, mas não resisti à tentação de usar esse número cabalístico no título da coluna. O fato é que erros em profusão resultaram no placar de Botafogo 3 x 1 Figueirense na noite de quarta-feira, no Maracanã. Há erros e erros. Tudo depende do contexto, das motivações e, principalmente, das conseqüências. Fiquemos com um exemplo: se o gol contra do zagueiro Vinícius, do Figueirense, tivesse ocorrido alguns minutos antes, quando o jogo ainda estava 2 a 0 para o Botafogo, seria ele o personagem da noite, o responsável por choro de uns e alegria de outros. Sua falha teria sido trágica e estaria lhe causando insônia até hoje.
Mas quis o destino que esse deslize fosse antecedido por outro: o frango do jovem e bom goleiro do Botafogo Júlio César. Assim, hoje ninguém se lembra do gol contra de Vinícius, que virou um acidente banal. E o frango de Júlio César ganhou a aura dos traumas inesquecíveis, como o gol de Gigghia sofrido por Barbosa no Maracanã em 1950. Mas o próprio Júlio César, apesar da dimensão dramática da sua falha, foi perdoado pela torcida botafoguense graças a outro capricho da cronologia: seu erro foi antecedido por dois equívocos da bandeirinha Ana Paula Oliveira (o primeiro incontestável, o segundo discutível), que anulou dois gols do time da casa quando o placar ainda estava 0 a 0.
Aqui cabe uma digressão sobre o quanto o futebol expressa simbolicamente o que somos, como indivíduos e como povo. O gol sofrido por Barbosa não resultou de uma falha grotesca nem pode ser definido tecnicamente como um "frango". No entanto, ele foi crucificado sem direito a recurso. No final da vida, já velhinho, dizia que era o único condenado a cumprir pena de mais de 30 anos no Brasil.
Por que essa diferença tão grande de atitude diante do pequeno erro de Barbosa e do gigantesco erro de Júlio César? Tenho uma hipótese. Em caso de derrota, a massa busca sempre um culpado, um bode expiatório, projetando nele seus ressentimentos mais profundos. Barbosa, como todos sabem, era negro. O desastre diante do Uruguai fez vir à tona o racismo profundo de boa parte da nossa sociedade. Até hoje há quem diga que "goleiro negro não é confiável". A então CBD (antecessora da CBF) chegou a tentar excluir os negros do time titular que disputou a Copa de 58 na Suécia. Não deu, claro. Como deixar no banco gênios como Pelé e Didi?
O branco Júlio César teve mais sorte. Antes do frango, a torcida já havia escolhido o vilão da noite, o Judas a ser malhado: a bandeirinha Ana Paula. Após seu primeiro erro, a arquibancada gritava em uníssono: "Piranha, Piranha!". Nesse caso, o que emergiu foi o preconceito contra a mulher, bem expresso no comentário infeliz do vice-presidente de futebol do Botafogo, Carlos Augusto Montenegro, de que ela "devia estar naqueles dias de mulher".
É curioso: diante de um erro equivalente cometido por um bandeirinha ou árbitro homem, o que se grita é: "Filho da puta, Filho da puta!". Quer dizer, a culpa é sempre da mulher, esse estranho ser que perturba e desestabiliza os machos quando invade um de seus últimos redutos, o estádio de futebol.

Um comentário:

Mautex disse...

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