Edição 451-carta capital-29.06.07
A maratona entre o discurso e a prática
por Phydia de Athayde
Quatro debates promovidos por CartaCapital expõem a realidade e o que se espera de quem trabalha com esporte no País
Visibilidade Das empresas patrocinadoras aos dirigentes de clubes de futebol, o Brasil está diante de dois marcos em sua história esportiva. Dia 13 de julho começam os XV Jogos Pan-Americanos, que atrairão a atenção de todos, atletas ou não. O Pan teve falhas e atrasos nos preparativos, além de um vertiginoso estouro de orçamento. Em breve, o Brasil poderá ser confirmado como sede da Copa do Mundo de 2014, o que representará um desafio ainda maior em termos de organização, estruturação e maturidade administrativa. Estamos preparados?
Essa foi uma das perguntas que os debatedores da edição de Diálogos Capitais dedicada ao “Marketing e Gestão de Negócios do Esporte” procuraram responder. Quatro debates promovidos por CartaCapital expuseram a realidade e o que se espera dos agentes envolvidos com o esporte no País. Das empresas patrocinadoras, públicas ou privadas, aos dirigentes de clubes de futebol às voltas com o sonho de adequar os estádios para uma Copa. No meio do caminho, leis nem sempre colocadas em prática e dificuldades estruturais de toda ordem. Sócrates Brasileiro, ex-jogador e ídolo do Corinthians, e um dos debatedores, acredita que, “enquanto a gestão esportiva for fraudulenta e corrupta, não há como almejar mudanças”.
O mercado esportivo brasileiro está em ascensão, mas ainda alterna o pensamento moderno com ultrapassados métodos de administração. Esse contraste veio à tona nos debates, realizados no Auditório Trevisan, em São Paulo, na segunda-feira 25, com patrocínio da Caixa Econômica Federal e da Petrobras.
A seguir, os principais pontos da terceira edição de Diálogos Capitais.“O Brasil perde seus talentos esportivos por falta de planejamento sistemático”, crava Luiz Gonzaga Belluzzo, na abertura dos debates. O economista e colunista de CartaCapital também ressaltou que, para dar resultado, a inserção do marketing esportivo tem de ser metódica. É a deixa para a primeira mesa, sobre investimentos das estatais no esporte, com moderação da estrela do basquete Maria Paula Gonçalves, a Magic Paula, que coordena um Centro Olímpico homônimo na capital paulista.
O gerente nacional de relações institucionais da Caixa Econômica Federal, Gerson Bordignon, explicou como a visão que os clientes tinham da Caixa Econômica mudou, de 2003 a 2006, como resultado do investimento mais significativo em esporte. A imagem de uma “baranga”, mulher que não se cuida, associada à Caixa em 2003 mudou para a de uma mulher informada, rejuvenescida e que “gosta de esportes” em 2006, diz Bordignon.
Em 2001, a Caixa investiu 1,5 milhão de reais no atletismo. Este ano, o aporte passará de 9 milhões de reais, número inflacionado por conta dos Jogos Pan-Americanos. Bordignon explicou que a escolha do atletismo como foco dos investimentos no esporte está relacionada ao fato de esse esporte ser praticado por pessoas de baixa renda, mesmo estrato social dos clientes da Caixa, e que isso facilitaria a identificação.
A Caixa investe, também, no esporte paraolímpico (modalidades adaptadas para serem praticadas por portadores de deficiência física), geralmente evitado por anunciantes. Em 2005, a Caixa investiu pesadamente no atletismo e na natação paraolímpicos.
Este ano, a estatal promoverá 54 eventos esportivos em 21 cidades do País e espera, conforme disse Bordignon, que parte do investimento seja revertida em medalhas para o esporte brasileiro. No Pan e no Para-Pan.
Por sua vez, o gerente de patrocínio da Petrobras, Cláudio Thompson, explicou as diretrizes da empresa. Entre elas, a de não apoiar um atleta individualmente, não apoiar modalidades de lutas, e de preferir campeonatos nacionais a regionais.
Uma característica do patrocínio da Petrobras a esportes motores (como a Fórmula 1, o Stock Car, o motociclismo etc.) é que, nesses casos, o primeiro foco da empresa não é a visibilidade. “Aproveitamos as pistas para desenvolver novos produtos”, diz Thompson.
O retorno em visibilidade é obtido nos patrocínios a esportes de grande rendimento. O nome da empresa na camisa do Flamengo é o maior exemplo dessa vertente, que inclui também o patrocínio ao surfe “para rejuvenescer a marca”, ao handebol “para impulsioná-lo”, ao tênis e aos jogos Pan-Americanos. “O Pan é o maior evento esportivo brasileiro. Deus queira que saia tudo bem”, afirma Thompson.
Magic Paula, a mediadora, arremessou o problema da gestão das entidades esportivas no País aos debatedores: “As estatais acompanham o que é feito com o dinheiro investido nessas entidades?” Em detalhes, não, disseram. Não existe essa função nas empresas por não ser este o foco e, também, por considerarem que seria uma ingerência. No entanto, os dois destacaram que entidades bem administradas conseguem manter o patrocinador interessado, ao passo que as mal administradas (a do basquete brasileiro é um caso clássico) afugentam os investidores.
A mesa seguinte debateria a questão fundamental da legislação brasileira em relação ao esporte. Heraldo Panhoca, da Unika Advocacia, é advogado do Corinthians e de diversos atletas e entidades esportivas. Ele apresentou o histórico das leis que regulamentam a atividade profissional do esporte. A definição legal do atleta de futebol, por exemplo, é de 1973. Do treinador, de 1993, e do profissional de educação física, de 1998.
A Lei Pelé, um marco no futebol profissional, tem nove anos e, segundo Panhoca, foi concebida para durar uma década. “O mais importante é que a Lei Pelé pegou. Hoje vivemos um momento crucial, em que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) concentram tudo e isso não é bom”, diz o advogado, e faz uma provocação. “O presidente Lula está preocupado com o ressarcimento ao clube formador na venda de um atleta. A lei existe, está escrita, basta cumpri-la.”
A partir de 2003, com a criação do Estatuto de Defesa do Torcedor, outro paradoxo veio à tona. “Infelizmente, ainda não conseguimos convencer o torcedor de que ele é responsável. Falta educação, falta o hábito de reivindicar”, afirma o advogado.
Sócrates ressalvou a má formação dos atletas. “O atleta não entende a lei, a maioria nem sequer lê, infelizmente. Temos de ter metas para que ele tenha ensino fundamental e médio. O esporte deveria ser o exemplo para colocarmos isso em prática”, disse o ex-jogador. “Para uma nação adquirir capacidade de desenvolvimento sustentável e excelência, tem de qualificar. Isso é fundamental, não só para o esporte, mas para o País”, defendeu.
José Carlos Brunoro, diretor da Brunoro Marketing Esportivo e um dos organizadores desta edição de Diálogos Capitais, também falou sobre legislação. “A Lei Pelé tem mais pontos positivos do que negativos, e poderia ser rediscutida. Um de seus pontos negativos é que muitos dirigentes de futebol se adaptaram a empresários de atletas, até mesmo em sociedades, e isso tem de ser realinhado”, disse.
Outro ponto de discussão foi a lei que cria a Timemania, uma loteria com objetivo de levantar recursos para os clubes de futebol pagarem dívidas. Em sua concepção, diz Brunoro, a lei previa inúmeras contrapartidas e compromissos que os clubes deveriam apresentar para poder se beneficiar dos recursos. Entre eles, a obrigatoriedade de pagamento de salários e impostos devidos, da formação administrativa do dirigente, de sanção penal (cadeia) a dirigentes que desviassem o patrimônio do clube e do uso da área social do clube para crianças carentes, entre outras. “Mas, antes da aprovação da lei, uma série de absurdos está deteriorando esses princípios”, lamenta Brunoro.Ainda no que se refere a leis vindouras, Brunoro chama a atenção para a Lei de Incentivo ao Esporte, que deverá destinar mais de 200 milhões de reais à atividade por meio de incentivos fiscais. Imaginada nos moldes da Lei Rouanet, para a Cultura, a do Esporte corre o risco de reproduzir as mesmas distorções observadas na da Cultura. “Será que alguma parte desses recursos irá para o esporte de base?”, provocou Brunoro.
Debate aberto, questionou-se como auxiliar na formação do ex-atleta. Sócrates responde: “Se não há formação nem para o atleta, que dirá para o que já abandonou a atividade? E, também, se tivéssemos mérito, os melhores jogadores estariam no País. Infelizmente, somos especializados em vender o artista, e não a sua arte. Vendemos o palhaço e ficamos sem o circo”.
Diante da chance de o Brasil ser sede da Copa de 2014, muito tem sido dito sobre a necessidade de construir novas arenas – estádios modernos e polivalentes – País afora. Uma questão que não pode ser menosprezada é a sustentação financeira de empreendimentos dessa magnitude. Outra, o dilema entre construir ou reformar.
Mauro Holzman, diretor de marketing do Clube Atlético Paranaense, contou como o clube optou por construir o estádio e o centro de treinamentos mais modernos do Brasil. “Fizemos toda a obra com recursos próprios, vendendo jogadores e investindo tudo no patrimônio do clube”, explica. A Kyocera Arena, que ganhou o nome graças à estratégia do naming rights, em que um patrocinador paga para batizar o local, foi inaugurada em 1999 e tem 100% de cadeiras numeradas, no total de 26 mil lugares.
“Temos dificuldades em fazer o torcedor entender que deve sentar na cadeira que comprou, pois ele ainda pensa que futebol é a esculhambação a que estava acostumado. Outro problema é a dificuldade de fazer alguma mudança institucionalizada no futebol, pois os dirigentes levam suas diferenças de dentro para fora do campo”, enumera.
A seguir, Luiz Roberto Martins, representante oficial da Amsterdam Arena no Brasil, explicou como funciona este que é um modelo de empreendimento bem-sucedido. A Amsterdam Arena é um estádio de uso polivalente, que abriga jogos do time local Ajax, mas nem de longe depende das partidas para ter lucro. “Estádio só para futebol dá prejuízo”, diz Martins. “Quando você constrói uma arena, tem de pensar no retorno financeiro antes de tudo. O grande erro do Engenhão (estádio construído para o Pan, a custo de mais de 400 milhões de reais) é que o arredor é horrível, não vai dar para promover desenvolvimento imobiliário porque todos os terrenos estão tomados”, avalia. A Amsterdam Arena tem versatilidade para receber eventos de 6 mil a 70 mil pessoas de público, com estruturas prontas para montar palcos, som e luz de diversos modelos, e tem rendimento anual de 3 milhões de euros.
O sucesso da Amsterdam Arena, que leva os administradores a prestarem consultorias em todo o mundo, está estruturado na realidade econômica holandesa. No Brasil, os desafios são maiores, mais antigos e mais pesados. O diretor de marketing do São Paulo Futebol Clube, Júlio Casares, expôs a estratégia do clube para reformar o estádio do Morumbi, projetado nos anos 1950 e concluído entre 1960 e 1970.
O Morumbi já teve lugar para 130 mil torcedores. Hoje, com as novas exigências de segurança e conforto, abriga 72 mil. Casares revela que os grandes eventos de entretenimento (como o show dos Rolling Stones) têm segurado as contas do estádio.
“Nos últimos cinco anos, o Morumbi passou a ser uma fonte de renda. Em 2006, gerou 4,6 milhões de reais”, diz. O Morumbi almeja, em caso de uma Copa do Mundo no Brasil, ser uma das sedes da competição. Até lá, afirma Casares, conta com acordos com o poder público, que incluem desde a extensão do metrô até um trem aéreo, que percorreria um quilômetro, para ligá-lo ao estádio.
O moderador da mesa, Erich Beting, jornalista e criador do site Máquina do Esporte, fez uma provocação aos presentes: “Esqueçam a Copa de 2014. Trabalhem para que uma arena tenha rendimentos”. O debate a seguir questionou o papel da televisão no esporte. Casares cravou: “O monopólio enfraquece nosso futebol. Não dá para ter de esperar a novela terminar. Isso só vai mudar quando os clubes tiverem independência financeira para discutir os contratos”.
O último debate contou com uma apresentação do ministro do Esporte, Orlando Silva, sobre as políticas públicas no setor. “Em um país com estruturas de desenvolvimento do esporte frágeis, nosso desafio é construir e executar políticas públicas para estruturá-lo, que é direito de cada um e dever do Estado”, iniciou Silva.
O ministro também considerou as facetas da prática esportiva: “Hoje se dissocia o caráter competitivo do educacional e do lazer. Tratá-los como contradição pode ser mortal para o esporte”, alertou, para emendar a informação de que metade das escolas públicas brasileiras não tem nenhuma instalação esportiva.
Silva defendeu os gastos públicos com o Pan, que passam de 4 bilhões de reais, por dotarem o Rio de Janeiro de uma melhor infra-estrutura para o esporte. Além desta, outras diretrizes governamentais incluem a qualificação de professores de Educação Física e a diversificação das fontes de financiamento.
“A Lei de Incentivo ao Esporte está a poucos dias de ser assinada. Esta lei pode ser um enlace do setor público e do privado com o esporte brasileiro. Evidentemente, será um apoio suplementar, pois a infra-estrutura carece de investimento do poder público. O estímulo maior ao esporte de base deve vir da escola e da universidade”, encerrou o ministro.
Em seguida, Fernando Solleiro, diretor de RH do Grupo Pão de Açúcar e presidente do Pão de Açúcar Esporte Clube, falou de projetos. “O esporte está no DNA da família Diniz e isso permeia toda a companhia”, diz Solleiro. E emenda: “Incentivamos a prática esportiva dos funcionários sem medi-la, pois não queremos transformar qualidade de vida em números”.
O grupo tem um projeto social pelo qual já passaram mais de mil garotos. Em dois centros de treinamento, além de praticar futebol, eles recebem formação escolar e alimentação. Os que não se tornam jogadores profissionais, por terem a formação, podem entrar no mercado de trabalho. Muitos viram funcionários do próprio Pão de Açúcar.
Com o esporte, a rede varejista busca “gerar visibilidade e simpatia” nos clientes. “Nos supermercados Pão de Açúcar, o foco é em qualidade de vida. No Extra, em momentos gostosos com a família. No Compre Bem, nosso foco é o resgate da auto-estima com projetos de inclusão social”, enumera Solleiro, ao mencionar as bandeiras da empresa. E finaliza: “Hoje, a maratona de revezamento é parte do calendário oficial da cidade de São Paulo. Queremos que haja mais e mais apoios como esse à prática esportiva”.
Qualquer patrocínio ao esporte necessita, para solidificar-se, de exposição na mídia. A visibilidade de uma marca, e as ferrenhas disputas de bastidores entre diferentes veículos de comunicação fazem parte da rotina de Eduardo Zebini, diretor de esportes da Rede Record de Televisão. A Record, nos últimos anos, realizou investimentos maciços com o objetivo de conquistar o segundo lugar entre as emissoras de tevê. Ainda que falte muito para ameaçar a líder Rede Globo, as duas já se enfrentam na negociação de direitos de transmissão de grandes eventos esportivos.
“A Record é uma tevê aberta que busca audiência e liderança. Não poderíamos fazer outra coisa a não ser investir em nossa estrutura e, obviamente, oferecer algo diferente do concorrente. Por isso, saímos ao mercado para comprar grandes eventos”, explica Zebini.
A Record adquiriu os direitos de transmissão dos campeonatos de futebol da Bahia e de Santa Catarina. Ambos passaram a realizar jogos às 20h30 (mais cedo do que 21h40, quando termina a novela na Rede Globo) com grande sucesso, relata Zebini. A Record também comprou a transmissão das Olimpíadas de Inverno de 2010 e das Olimpíadas de Londres, em 2012. “Com a Fifa (que negocia os direitos da Copa do Mundo de futebol), fizemos nossas ofertas, mas, inexplicavelmente, não recebemos resposta”, ironiza. E alfineta a concorrente: “Esperamos acabar com o monopólio no futebol e no esporte”.
Todas as mesas que compuseram os Diálogos Capitais ofereceram visões do futuro, do presente e do passado em relação ao esporte. Contradições, como vimos, revelam-se a cada tema. E só poderão ser superadas a partir desta via, a do diálogo. Outros diálogos virão.
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