quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Morumbi "esquece" torcedores

Folha de São Paulo, quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Para atender à Fifa, reforma prioriza conforto de VIPs, imprensa e atletas em detrimento do público
Especialistas listam pontos de visão ruins na arena, escassez de estacionamento e distância excessiva entre o campo e a arquibancada

MARIANA BASTOS DA REPORTAGEM LOCAL

O São Paulo já começou a se mobilizar para fazer do Morumbi o palco da abertura da Copa de 2014. Para o jogo de hoje entre Brasil e Uruguai, investiu R$ 300 mil em pequenas reformas no setor VIP e na estrutura utilizada pelos jogadores. Tudo isso na tentativa de se adequar às exigências da Fifa. Entretanto o público que pagou entre R$ 30 e R$ 150 para ver a seleção brasileira de perto não irá usufruir das mudanças.
Lugares cegos nas arquibancadas, problemas de evacuação, estacionamento escasso e distância do público em relação ao gramado são os principais problemas apontados por especialistas em arenas esportivas consultados pela Folha.
"A Fifa hoje está mais preocupada com a estrutura destinada a autoridades, imprensa e atletas do que com o conforto do público", constata o arquiteto Carlos de La Corte, que acabou de concluir uma tese de doutorado sobre estádios brasileiros pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.Um dos quatro focos de sua pesquisa é o Morumbi. Além das exigências da Fifa, La Corte também utilizou como parâmetro a normativa adotada pela Europa e a "bíblia das construções esportivas", o Green Book, da Inglaterra.
"De que adianta colocar as cadeirinhas só para atender à Fifa se o Morumbi tem problemas de visibilidade e a tendência é que as pessoas acabem ficando em pé para ver melhor? Temos que estar atentos à demanda do público", diz o arquiteto, que é membro da Associação Internacional de Instalações Esportivas e Recreativas.
Em sua pesquisa, La Corte constatou que 8.820 lugares do estádio têm a visibilidade prejudicada por placas de publicidade, banco de reservas, guarda-corpos ou grades de separação. Em outras palavras, pouco mais do que 13% das 67.500 pessoas que compraram ingressos terão problemas para ver Kaká, Ronaldinho e cia.
O levantamento do arquiteto indica que o setor mais prejudicado é o térreo, pois conta com uma inclinação de 9, considerada baixa se comparada às arquibancadas dos estádios europeus modernos, que têm entre 25 e 30.
A presença da pista de atletismo também é encarada como ponto negativo. As distâncias entre a primeira fileira da arquibancada e o gramado variam de 36,40 m (setor azul) a 48,90 m (amarelo). Nos estádios modernos europeus, essa distância vai de 6 m a 15 m."A pista afasta o público da área de jogo", afirma Eduardo de Castro Mello, integrante de um grupo de estudos do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia que, recentemente, analisou 29 estádios no país.
Mesmo com um projeto de reforma do Morumbi, que será comandado por Ruy Ohtake a partir do ano que vem, Castro Mello não acredita que tirarão a pista, tendo em vista que teria que mexer muito na estrutura.
"Para prolongar as arquibancadas, teria que afundar o nível do campo porque, se não, poderia agravar os problemas de visibilidade. Mas tem que ver qual será o grau de investimento nesta reforma para viabilizar isso", destaca o arquiteto.Ainda não há estimativas de quanto o São Paulo despenderá na reforma. Além de prometer uma cobertura para o estádio, outro foco do projeto é a construção de um estacionamento subterrâneo para 4.800 carros em um terreno desapropriado próximo ao estádio.
"Um estacionamento de 4.800 lugares não é nada para um estádio de 70 mil pessoas", comenta Castro Mello.Mesmo contando com as 1.400 vagas estimadas ao redor do estádio (incluindo terrenos clandestinos e bolsões), o número está longe de atingir as exigências da Fifa de uma vaga para cada seis pessoas. Como o projeto final prevê uma capacidade de 66.952 torcedores, o estádio teria de oferecer pouco mais do que 11 mil vagas.

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