segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Filósofo português afirma que desigualdade do país está refletida no esporte

Folha de São Paulo, 02.12.07

EDUARDO OHATADA REPORTAGEM LOCAL

Mestre do badalado técnico José Mourinho e com 37 livros publicados, o filósofo português Manuel Sérgio, 64, em visita ao Brasil para discutir a democratização do esporte, chamou de ""produto de uma sociedade vertical" o desastre do último domingo na Fonte Nova."
"O que aconteceu [na Fonte Nova] foi um desrespeito, prova de que o povo está em último lugar. O futebol é um espetáculo de massa, para o povo. Precisamente por isso não me admira que não haja consideração para com esse público", dispara Sérgio. "
"Caso fosse um campo de golfe, freqüentado pela alta sociedade, estaria um brinco."
"Uma tragédia atingiu o povo? Então não há problema, não conta". É esse o pensamento dominante em uma sociedade vertical, hierárquica", completa o filósofo, figura principal de evento organizado pelo Instituto Unilever, na última semana, que discutiu formas de democratização do esporte."
"O Brasil tem feito extraordinários esforços, prepara-se para ser uma potência em nível mundial, mas tem algumas coisas que necessitam de cuidado. Se não há base, não há desporto. Há um lazer desportivo praticado por quem tem dinheiro", prossegue Sérgio, que ministrou aulas no Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa.
A principal teoria formulada por Sérgio, de cunho humanista, contempla situações como a queda da Fonte Nova. Para ele, o esporte é uma atividade humana, e não apenas física, ou passaria a forma de alienação e exploração. De nada adianta haver bolsões de alto nível no esporte se o entorno é caracterizado por falta de condições.
Para explicar suas idéias ao público, Sérgio lança mão de exemplos corriqueiros. Ele define esporte como a expressão corporal do desenvolvimento social e econômico de um povo."
"Os médicos recomendam caminhar todos os dias, que isso ajuda a saúde. Mas muitos jovens não o fazem porque estão fracos, pois passam fome. Ou, com o organismo debilitado, quando jogam bola sofrem fratura com facilidade", afirma."
"O que faz bem à saúde, melhor até do que caminhar diariamente, é viver feliz, em uma sociedade sem medos", diz.Ao ser questionado sobre casos como o da nadadora Rebeca Gusmão, que está sob suspeita de doping por ter ganhado uma quantidade exagerada de massa, Sérgio também é crítico."
"Isso é uma mentira [como esporte]. O atleta de competição se destrói. Ele responde e multiplica as taras da sociedade, altamente competitiva. Veja o número de lesões que os jogadores sofrem no futebol."E seu diagnóstico não se limita só ao esporte profissional."
"Sou contra o esporte precoce. Veja o que acontece na ginástica. Há meninos que nunca foram crianças, não tiveram sonhos de jovem. Visitei a academia de cultura física de Moscou. Para mim, não serve. Tudo o que não está a serviço do homem é mentira", pondera.
O filósofo aponta que o desporto pode ter uso político, se apoiado na ideologia do Estado. Para ele, as tabelas de classificação de competições como Jogos Olímpicos ou Pan não são uma reflexão da realidade."
"Em sociedades injustas, o desporto é injusto. Veja o Quênia. Eles têm excelentes fundistas, mas o país está imerso na miséria. Isso é desporto?"
Sobre o fato de, no Brasil, pais de classes mais abastadas torcerem o nariz ao ouvir que os filhos querem ser atletas ""porque acabarão na miséria", ele diz ser uma questão de cultura. "
"É porque não há o planejamento para o futuro dos atletas. Na Grã-Bretanha, há um aproveitamento nas faculdades de 80% dos atletas olímpicos..."

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