domingo, 6 de abril de 2008

É créu neles!

XICO SÁ

Folha de São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2008

A CBF fez como no escândalo da dengue. Na dúvida, prenda o mosquito. Proíba-se a dança, afinal estamos na Inglaterra

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, na total falta de uma boa lavagem de roupa, os cartolas da CBF legislam contra a dança do créu. No Brasil, é assim, e não só nas danações ludopédicas, diante de qualquer manifestação de alegria barulhenta e anárquica, nosso pendor vocacional por excelência, vem logo o memorando das autoridades: prendam os suspeitos de sempre.
É a dança de classes, é a luta do créu! A nova ordem é proibir a alegria, a prova dos noves, ainda mais uma coisa de "mau gosto" dessas, uma dança suburbana da laje, testosterona de pobre, epa, tem limite. Se pelo menos fosse "MPB de qualidade", bossa nova, um barquinho vai do Arpoador ao Leblon, um jazz da turma do charuto e do bom vinho...
É, amigo, a CBF, inspirada nas leis da Fifa, essa senhora gélida que sempre ignorou Eros e vive abraçada à velha da foice, baixa agora uma nova cartilha para os árbitros. Moral do parágrafo único: fica terminantemente proibida a alegria dentro de campo, sob pena de receber cartão amarelo, vermelho, punição pelo videoteipe. Cotovelada, dois, três jogos, no máximo; alegria à vera, o cara está banido para sempre.
Em outras palavras, não pode provocar a torcida adversária. Vamos todos esquecer que a graça do futebol é essa? Só por que meia dúzia de malucos, em Santa Catarina ou na terra da rainha, perde a esportiva?!
É como no escândalo da dengue. Na dúvida, prendam o mosquito, esse violonista punk e dodecafônico da moléstia.
É o que acontece diante da incompetência generalizada da falta de segurança pública. Na dúvida, proíba-se a dança do créu e suas bundas fantásticas, nossos lindos latifúndios dorsais, a riqueza da nossa pátria classe C, que ignora os patinhos milionários da bossa nova.
Na dúvida, proíba-se o erotismo explícito da mestiçagem, dos meninos que saíram dos morros para brilhar no Maraca, o mais lindo dos domingões ensolarados do planeta tão logo a moedinha gira no ar e os capitães do Fla-Flu decidem para que lado passa a correr o vento. Proíba-se a dança do créu, afinal de contas estamos na Inglaterra, nas terras frias onde fazer sexo é uma ofensa contra o reinado.
Diante de tal cartilha moralista, só nos resta cantar aquela do Paulinho Soares: "O patrão mandou cantar com a língua enrolada/ Everybody macacada, everybody macacada/ E também mandou servir uísque na feijoada/ Do you like this, macacada? Do you like this, macacada?".

Muamba mental
Toda retranca é legítima, assim como é lindo e legal todo gol de letra. Por que não é legítima a retranca quando se trata de clube paraguaio jogando no Brasil? Das tevê aos nossos ilustrados colunistas, o preconceito contra os hermanos, como se todos fossem contrabandistas, foi a moral da história do tricolor contra o Sportivo Luqueño. Sim, trata-se de muamba mental do inconsciente moralista, mas peguem leve os aperreados com o 0 a 0 que o time de Luque segurou.
Sim, para secador que se preza, foi 0 a 0. O gol do Imperador, que a inteligente torcida do São Paulo queria fora do time desde que chegou, foi para lá dos 49, contrabando do cronômetro. Mas, se foi do menino Adriano, que joga aqui do lado, vale.



--------------------------------------------------------------------------------

xico.folha@uol.com.br

Nenhum comentário: