terça-feira, 17 de junho de 2008

Copa de 2014: o contraponto necessário

FABIANO ANGÉLICO

A Copa do Mundo, "o maior espetáculo da Terra", é um enorme desafio para
quem atua no combate a desvios de recursos públicos

É FATO que grandes espetáculos, como competições esportivas internacionais,
são em geral iniciativa de entes privados. Porém, inevitavelmente existirá
nesse tipo de evento a participação do poder público, que tem de garantir,
ao menos, segurança e transporte aos envolvidos.
Quanto maior o espetáculo, maior será a utilização de recursos públicos -e
mais complexo o mapa do caminho do dinheiro, o que incentiva a corrupção.
Nesse sentido, a Copa do Mundo, tida como "o maior espetáculo da Terra", é
um enorme desafio para quem atua no combate aos desvios de recursos
públicos.
Em artigo publicado nesta Folha ("O modelo de gestão da Copa de 2014",
"Tendências/Debates", 2/6), o presidente da CBF e do Comitê Organizador da
Copa de 2014 no Brasil, Ricardo Teixeira, tenta nos tranqüilizar. Diz que o
modelo de gestão da Copa de daqui a seis anos terá "viés predominantemente
privado".
Segundo Teixeira, que é presidente da CBF há 19 anos, o Comitê Organizador
"não terá nenhuma ingerência sobre a escolha de fornecedores estatais ou a
contratação de obras públicas" e "ficará restrito ao acompanhamento dos
prazos e à atestação de que essas iniciativas estão em conformidade com os
padrões da Fifa". O comitê, ainda segundo Teixeira, acompanhará também os
"aperfeiçoamentos legais necessários ao evento".
Conhecido o posicionamento do organizador da Copa, algumas perguntas se
tornam necessárias, especialmente depois da verificado o que ocorreu nos
Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro, evento que consumiu muito
mais dinheiro do que o previsto. Tanto que ainda não há dados oficiais sobre
seu custo.
De que forma haverá a garantia de que "os padrões da Fifa" não orientarão
concorrências? Como evitar que os prazos estabelecidos pelos organizadores
da Copa levem a contratações emergenciais com dispensa de licitação,
emergências muitas vezes planejadas? Como garantir que os "aperfeiçoamentos
legais necessários ao evento" não favoreçam apenas alguns poucos?
A resposta a essas perguntas pode estar no trabalho preventivo dos órgãos de
fiscalização.
Na Grã-Bretanha, que vai sediar a Olimpíada de 2012, o National Audit Office
(órgão similar ao Tribunal de Contas brasileiro) produz relatórios sobre a
atuação do poder público na preparação dos Jogos desde 2005, quando Londres
foi escolhida sede do evento. Ou seja: sete anos antes da realização do
espetáculo.
Daqui a seis anos começa a Copa no Brasil, mas não há notícia de trabalho do
gênero realizado pelos órgãos de fiscalização e controle do país.
O ideal seria dar início rapidamente a um mapeamento dos riscos de desvios
nas três esferas: União, Estados e municípios. Sim, porque, se a preocupação
com o destino das verbas federais já é grande, é maior ainda o risco
envolvendo recursos dos Estados e municípios, uma vez que governos estaduais
e prefeituras levam uma desvantagem: não contam com órgãos de controle
interno (papel desempenhado pela Controladoria-Geral da União no plano
federal).
Também no que diz respeito ao acesso a informações públicas, a dificuldade é
maior com os entes estaduais e municipais: em geral, governos estaduais,
Assembléias Legislativas, prefeituras e Câmaras Municipais são mais opacos
do que o Congresso Nacional e o governo federal.
Nesse sentido, outra contribuição do Estado brasileiro a uma maior
transparência nos gastos preparativos para a Copa de 2014 é a promulgação de
uma lei de acesso à informação pública. Em 2006, o então candidato à
reeleição Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu, em entrevista a esta
Folha, a apoiar a iniciativa, que já virou lei em mais de 70 países.
Em abril último, o governo Lula novamente se comprometeu com o tema, dessa
vez nas Nações Unidas.
Na ocasião, um representante do governo federal disse que a Casa Civil
trabalha há seis meses em um projeto de acesso à informação pública. Errado.
O projeto, que foi elaborado no âmbito do Conselho de Transparência e
Combate à Corrupção, dorme na Casa Civil desde 2006.
Como se percebe, o governo federal não dá demonstrações de interesse em
implementar tal lei. Se houvesse, o governo encamparia um projeto de lei de
um deputado do mesmo partido de Lula. Um texto apresentado pelo petista
Reginaldo Lopes (MG) está no Congresso há cinco anos.
Os organizadores da Copa demarcaram claramente seu território. Ao reforçarem
o caráter privado da organização do evento, eles procuram se afastar do
escrutínio da opinião pública. Cabe agora aos órgãos públicos brasileiros
criar mecanismos formais de fiscalização e acompanhamento das despesas
relacionadas com a Copa de 2014.

FABIANO ANGÉLICO , 32, jornalista, é coordenador de projetos da
Transparência Brasil.

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