Discussão sobre organizadas
Martin Curi
Estive também no clássico vovô de ontem, com dois amigos alemães, e parece que tivemos sorte, porque passamos um pouco antes da briga pela rampa da UERJ. Ou seja, não vi os acontecimentos e por isso vou me referir exclusivamente às descrições do Cappelli.
Primeiramente temos que dizer que os acontecimentos são chocantes e tristes. Não quero defender nenhum dos envolvidos. Ao mesmo tempo, acho que precisamos analisar friamente para poder chegar a propostas para a organização do futebol brasileiro como esporte para espectadores. Continuo achando que as propostas que elaborei no artigo na Folha são as melhores e vou usar as descrições do Cappelli para exemplificar isto.
Me parece que a exigência principal do Cappelli é a extinção das torcidas organizadas em favor de um ‘novo’ modelo de torcer representado pela Legião Tricolor no caso do Fluminense, que se diz ‘não organizada’. Existem vários argumentos contra esta extinção das torcidas organizadas:
1. ‘Acabar com algo’ parece coisa de ditadura. A China e a Rússia fazem isso, mas um estado democrático não pode fazer. Por quê? Porque os cidadãos têm que ter o direito de se organizar e associar. Caso contrário, precisamos proibir qualquer clube, associação e coisas equivalentes. Ou seja, significa proibir a associação dos advogados, os partidos políticos, os sindicatos etc. Os sindicatos são talvez o maior exemplo que mostra como é necessário o direito de se organizar. As lutas deles também nem sempre foram tão pacíficas.
2. A proibição de uma organização só se justifica no caso da EVIDÊNCIA de ela ter na sua constituição um elemento criminoso. Isto não é o caso das torcidas organizadas. Todas as torcidas organizadas têm na sua convenção o apoio incondicional e apaixonado ao seu clube e não mencionam a violência. Os envolvidos na situação descrita pelo Cappelli podem ter tido camisas de torcidas organizadas, mas isto não significa que eles estavam representando as torcidas organizadas, nem que eles são membros de uma torcida organizada (a venda destas camisas é livre). Ou seja, eu posso decidir que quero prejudicar a torcida do Flamengo. Vou comprar uma camisa da Raça e vou ao estádio e começo uma briga. Em conseqüência a Raça vai ser extinta? O absurdo é óbvio. Infelizmente a estrutura de torcidas organizadas é muito complexa.
3. Neste momento entra o fator, que eu chamei no meu artigo da Folha de ‘pulverização’. Nos anos 1980 se começou na Alemanha a aumentar a repressão contra as torcidas organizadas (ou fã-clube, que é o termo local). Qual foi a reação? Os membros violentos saíram das torcidas organizadas e começaram a ir sem camisa da torcida ou do clube em grupos menores ou individualmente aos estádios. Isto sim foi o inferno para a polícia, que não sabia mais quem é quem. É interessante de ver, que a Legião Tricolor representa na verdade este fenômeno, porque eles não se percebem como grupo homogêneo. Não existe camisa deles. Eles vão numa forma ‘pulverizada’ ao estádio. Imaginem que acabem com as torcidas organizadas e os indivíduos violentos começem a entrar na Legião Tricolor, que não tem nenhum mecanismo para selecionar seus membros. Vai fazer o que? Proibir a Legião Tricolor, que nem existe, porque não é uma torcida organizada? Este caminho é um beco sem saída. Inclusive existe um grupo parecido com a Legião Tricolor em Porto Alegre chamado A Geral do Grêmio, que foi percebido como alternativa às torcidas organizada e hoje em dia e percebida como o novo grupo violento. Ou seja, precisamos de outras soluções.
4. Finalmente, não considero a Legião Tricolor (e outros como a Urubuzada, Loucos pelo Botafogo, Guerreiros do Almirante, Geral do Grêmio) como não organizada. O que define organização? O registro de sócios? Mas a elaboração de canções, as colocações de faixas, trapos, barras e bandeirinhas não precisam de organização? A Legião Tricolor tem um site muito bem elaborado: http://www.legiaotricolor.com.br/. Organizado é o que então? Claro que estas ações precisam de um mínimo de organização. Não é o termo ‘organizada’ que provoca a violência. Fã-clube, ultras, movimento popular ou associação de amigos do clube XYZ, todos eles podem se tornar violentos. Não estou acusando a Legião Tricolor de nada. Ao contrário: adoro eles. Só quero chamar a atenção para o perigo de ações como ‘acabar’ com algum grupo.
A conclusão é que não podemos perceber estas organizações como algo perigoso, violento, inútil, mas precisamos criar condições de incluir todos no espetáculo futebol, garantir o diálogo e atender as necessidades dos torcedores. Esta é a minha principal exigência: Não excluir (é isso o que significa a exigência de “acabar com eles”), mas finalmente incluir. Este me parece o único caminho. Por isso fiz a proposta no meu artigo de “uma entidade nacional, com pontos de atendimento locais, dotados de assistentes sociais profissionais, que crie um elo entre torcedores e instituições como governo, polícia, federações de esporte e clubes”.
A outra exigência no meu artigo são medidas arquitetônicas no estádio. Não posso relatar todos, mas posso listar algumas, que considero no caso específico do Maracanã importante:
1. Quando se construiu os camarotes VIP no Maracanã se fechou duas rampas. Isso diminuiu muito o escoamento das arquibancadas. O Maracanã não atende bem o fluxo das multidões que se movem dentro dele. Seria fundamental de abrir novamente estas rampas e, além disso, construir novas rampas em cima das rampas do anel inferior para garantir a evacuação rápida em casos de emergência.
2. O Cappelli relata que houve a tentativa da torcida do Fluminense de invadir o espaço da torcida do Botafogo. Bem, é triste, mas inevitável: precisamos de uma maior setorização. É possível construir barreiras arquitetônicas para impedir estas invasões. Além disso a arquibancada precisa de setores menores, dos quais se sabe a capacidade. Por exemplo: digamos no setor A cabem 1.000 pessoas. Então só pode vender mil ingressos para este setor e na entrada do setor precisa ficar alguém que controla, que só os portadores com ingressos escrito ‘setor A’ entrem. A partir daí podemos criar diferentes espaços: alguns para ficar em pé (para atender as necessidades das torcidas organizadas) e outros para ficar sentado (para atender as necessidades dos outros). Entre os setores tem de existir barreiras arquitetônicas. Se não, não funciona.
Outras medidas já estão sendo tomados no Rio: Uma maior segurança na hora da compra do ingresso e na entrada através de grades protetoras e renovação dos banheiros na época do Pan 2007.
A terceira medida que sugiro na Folha é um corpo especializado de agentes de segurança, que não são da polícia, mas em um uniforme leve. Pesquisas mostram, que pessoas reagem numa forma agressiva à estímulos agressivos como uniformes e armas. (O que não significa acabar com a polícia. Ela precisa estar presente, mas um pouco mais escondida). Além disso, é muito melhor ser atendido por pessoas que mostram o caminho e o lugar do que sendo mal tratado por repressores. Aliás, a setorização vai tornar estes ‘Stewards’, como são chamados na Inglaterra, necessários, porque as pessoas vão ter que procurar os seus lugares.
Tenho certeza que com estas medidas poderia se melhorar bastante a segurança nos estádios. Aliás: dentro do Maracanã já não acontece quase nada (ao contrário dos últimos confrontos que aconteceram em São Paulo, onde ainda não houve uma renovação). Os acontecimentos do clássico vovô foram fora do estádio.
Este é um outro problema. Na verdade é um problema que não está ligado nem as torcidas, nem ao futebol e não vai acabar nem com a extinção das torcidas nem do próprio futebol. É um problema brasileiro. Temos os bailes do corredor, onde luta lado A contra B, temos os comandos, temos os pitboys etc e se acabamos com todos eles é possível que os amigos do bairro A lutem contra os amigos do bairro B. A fala do ‘troglodita’ no texto do Cappelli é reveladora, porque mostra que ele sente que tem se defender. Esta é a verdade: o brasileiro não se sente protegido pelo seu estado por sua polícia e acha que precisa se autodefender. Este é um sentimento no Maracanã, em Ipanema e Bangu. Na verdade é necessária uma reforma da sociedade.
As ruas ao redor dos estádios são espaço livre e muito difícil de ser controlados. A extinção das torcidas não vai resolver este problema. Nem um Estatuto do Torcedor, que considera em dias de jogo toda a área de 5 km ao redor dos estádios área em qual a lei está em vigor. Ou seja, por exemplo: O Carlos Silva passa no dia do jogo com a mulher a Rua Francisco Xavier. Esta confessa ter traído ele. Ele enfia a porrada nela. A punição dele vai ser um ano de banimento dos estádios? Não pode ser.
Minha sugestão é que dentro do estádio sejam aplicadas as medidas sugeridas por mim. Fora do estádio temos uma tarefa maior: mudar a sociedade. Sendo que acredito que uma entidade que atende e inclui os torcedores já seria um bom passo para melhorar esta situação.
Esta postagem se refere aos seguintes artigos:
http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2009/03/cadastro-de-torcedores-nao-e-solucao.html,
http://saladopano.blogspot.com/2009/03/focinheira-do-parreira-e-guerra-na-uerj.html,
http://www.fimdejogo.com.br/blog/2009/03/28/fluminense-e-botafogo-confusao-lamentavel/,
segunda-feira, 30 de março de 2009
Discussão sobre organizadas
Marcadores:
Atendimento ao Torcedor,
Cultura do Torcedor,
Polícia,
Propostas,
Segurança
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário