sábado, 13 de junho de 2009

Violência Mancha o Futebol

11/06/2009 - 12h00

Especialistas propõem novas leis, câmeras melhores e até reforma de estádio para coibir violência

UOL, Denise Mirás, Em São Paulo

http://esporte.uol.com.br/futebol/violencia-no-futebol/2009/06/11/ult7499u3.jhtm

Na semana passada, Clayton Ferreira de Souza, 27, morreu após ser espancado durante confronto entre torcedores do Corinthians e do Vasco em São Paulo, na noite do duelo entre as equipes na Copa do Brasil, ampliando a lista de episódios trágicos de violência vinculada ao futebol no país.



Para colaborar com o debate público sobre o tema, o UOL Esporte estreia nesta quinta-feira uma série de reportagens que buscarão apresentar o problema sob diferentes pontos de vista, mostrando sua evolução ao longo dos anos, as ações e planos das autoridades, como outros países agiram e agem para minimizá-lo, entre outros aspectos. Neste primeiro texto, especialistas de diversas áreas apontam soluções e medidas que poderiam frear a violência.



1. Criminalizar ações violentas das torcidas


"Precisamos de ferramentas a mais na Justiça, para que possamos até fechar entidades constituídas, com CNPJ, estatuto, diretoria, se for o caso – para diminuir a sensação de impunidade", diz o coronel Marcos Marinho, hoje chefe de arbitragem da Federação Paulista de Futebol, que comandou o 2º Batalhão de Choque e esteve à frente do trabalho com torcidas entre 1988 e 2005.



Já aprovada pela Câmara, proposta do governo que está no Senado estipula que as ações violentas de torcidas, mesmo que não sejam constituídas legalmente, como pessoa jurídica, passarão a ser criminalizadas. Caso a lei entre em vigor, elas serão responsabilizadas pela ação de associados. Assim, haverá punição da própria torcida, além dos torcedores, individualmente. Passará a ser crime entrar em estádio entoando cantos que incitem violência, participar de tumultos, portar instrumentos para uso de violência no entorno dos estádios e também no caminho de ida e de volta. Além de reclusão, o primário pode ser afastado por três anos dos estádios, mesma penalização para a própria torcida.

2. Câmeras melhores nos estádios


A delegada Margarette Barreto está desde 2004 à frente da Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), que começou a monitorar as torcidas organizadas que já tinham histórico de violência, com a identificação de presidente e diretores, partindo para os inquéritos policiais por formação de quadrilhas e bandos. Ela cita medidas adotadas na Espanha para pedir que haja investimento para a compra e instalação de câmeras mais potentes nos estádios.



"Na Espanha, as câmeras dão uma visão panorâmica e podem aproximar, com zoom, o rosto de uma única pessoa, com extrema nitidez, de forma que haja facilidade de identificação, que se possa utilizar como prova, sem possibilidade de se contestar. Isso ainda não temos aqui. Lá, as câmeras ficam em uma sala em local que o público as vê, expostas, de forma que se iniba os indivíduos que pensem em alguma ação violenta. Aqui, há gente se drogando, cantando provocações, mas muitos se perdem na multidão."

3. Cadastro de torcedores (com ou sem carteirinha)
O sistema inglês, que cadastrou hooligans e obriga os mais violentos a se apresentar para serem detidos na delegacia durante os jogos ou por 24 horas, além de se impedir que viajem, não poderia ser aplicado aqui, de acordo com a delegada Margarette, por ser anticonstitucional. "Mas estamos fazendo, sim, um cadastro de pessoas com esse perfil – já temos um início, com todos aqueles que se envolveram em ocorrências policiais registradas, que já deram algum problema. Para aprimorar esse cadastro, aguardamos verba do Senasp (a Secretaria Nacional de Segurança Pública)."



Já o promotor Paulo Castilho lamenta que tenha sido retirado do projeto do governo que tramita agora no Senado o cadastramento nacional dos torcedores. "Seria muito benéfico, porque também haveria um cartão para funcionar como um cartão de crédito na compra de ingressos, que passariam a ser virtuais, com identificação na entrada do torcedor, de forma visual – ou mesmo digital. Acabaria com a falsificação e também com os cambistas, evitaria a possibilidade de evasão de rendas. Mas, acima de tudo, haveria controle efetivo, online, dos torcedores. E os bandidos não iriam aos jogos – porque bandido não se cadastra. Não teria como adquirir o ingresso."

4. Identificar os líderes do bando violento


Muita gente, e há muito tempo, estuda comportamento das multidões, relacionado também às torcidas de futebol, como observa o psiquiatra forense Guido Palomba. A psicologia das massas vem ainda do século 19. "Lembramos do indivíduo bom, que é incapaz de cometer barbaridades, mas de repente se deixa levar pelos outros, por exemplo em casos de linchamento. Mas também é preciso ressaltar que se falamos em ‘massa’, existem líderes – que podem já existir ou nascer ali na hora, na situação."



No caso das torcidas violentas do futebol, segue o professor, é fundamental identificar o líder. "É o insuflador, aquele a quem os outros seguem como um estouro de boiada, de maneira não totalmente consciente. É reconhecer esse líder e prender, como criminoso. Porque é um criminoso – agressivo, destrutivo, às vezes beirando o homicida –, do ponto de vista psicológico. Aliás, muitas vezes ele incita e sai, como forma de burlar a lei. Não se expõe, para escapar. É um malandro e um covarde, porque não está à frente."

5. Mudar estádios para isolar torcidas organizadas
Para Eduardo de Castro Mello, arquiteto especialista em construções esportivas desde 1970 e que será o responsável pela construção do estádio de Brasília para a Copa de 2014, é preciso preparar os estádios fisicamente para a separação dos torcedores organizados dos demais.



"Aqueles que participam de torcidas violentas não estão preocupados em assistir aos jogos. Eles querem ser o espetáculo, aparecer. Ficam de pé, não se sentam em cadeiras numeradas, puxam bandeiras por cima dos outros – o que impede a visão de quem está lá para ver o jogo. Não dá certo misturar esses dois tipos de torcedores."



Assim, o arquiteto pensa que seja o caso de se reservar as áreas atrás dos gols, já com assentos retirados, para os torcedores "que querem ser o espetáculo, com bandeiras e coreografias", deixando espaços com visão melhor para torcedores interessados no jogo. "Facilitaria a entrada e saída das torcidas uniformizadas rivais, sob controle da polícia."



Com relação ao entorno dos estádios, onde muitas vezes surgem conflitos, Eduardo de Castro Mello lembra de absurdos como as duas rampas do Morumbi com 15 metros de largura que desembocam em uma calçada de 3. "Como sair de 15 para 3? O Maracanã tem o mesmo problema. A multidão vira um bolo, que se empurra para a rua, ainda mais propensa a brigas. É preciso espaços livres maiores, 12 a 15 metros de largura, para escoamento, para circulação".

6. Multas como punição
A partir da identificação de vândalos, a Espanha agora adota penas pecuniárias, conta a delegada Margarette Barreto, do Decradi. "As torcidas com os mais fanáticos, de camisetas, bandeiras, fica como confinada em uma determinada baia. Se flagrada uma ação violenta de um indivíduo em um jogo, uma bomba por exemplo, o indivíduo leva multa de 3 mil euros (que será tirada de seu salário assim que tiver um registro profissional), assim como a torcida e também o clube. Esse montante é revertido para um fundo de segurança."



7. Mobilização do governo e da sociedade


O promotor Paulo Castilho acredita que a formação de uma Comissão Nacional Anti-Violência, e de comissões estaduais nos mesmos moldes, com representantes das polícias, de juristas e dirigentes. "É preciso que todo mundo se mexa, que o Brasil todo se mexa. Precisamos mudar, inovar, pensar na possibilidade de leis estaduais, por exemplo, pensar na especialização da polícia, em aumentar o raio de ação dos tribunais do Gecrim, hoje limitados apenas ao entorno do estádio e com punições que no geral ficam na prestação de serviços, por causa da legislação falha e das penas brandas."



De toda forma, a delegada lembra que seria preciso uma cobrança de várias frentes. "A sociedade não lembra. Mas além da ação penal, é preciso acionar esses torcedores violentos na área civil. Se o delito é penal, cadeia; se é civil, quebrou, pagou. E ainda é preciso dizer que o nível de exclusão dessas pessoas é alto. E há muitos garotos de classe média, que também extravasam frustrações com a violência.

8. Estado mais presente
Alexandre Luccas, especialista em psicologia social e autor do livro “Futebol e Torcidas: um Estudo Psicanalítico sobre o Vínculo Social”, lembra que muitos dos torcedores violentos são marginalizados pela sociedade, estão na periferia do Estado. “O ‘trecho’ que sobra para participarem muitas vezes é nas torcidas. E também não resolve acabar com elas. Se a Gaviões reúne em sua quadra 4 a 5 mil jovens no fim de semana, e a maioria está lá para se divertir, não para partir para a violência. O que esses jovens irão fazer se não puderem ter esse espaço também? O Estado precisa estar presente nas periferias, com eventos esportivos, com atividades nas praças públicas, na educação... Precisa estar presente em todos esses aspectos, que estão abandonados, com jovens à margem do mundo. Fora a sensação de impunidade, que está no Brasil como um todo.”



Autor dos livros “Torcidas Organizadas do Futebol: Violência e Auto-Afirmação” e “Sociologia da Juventude: Futebol, Paixão, Sonho, Frustração, Violência, o sociólogo Carlos Alberto Máximo Pimenta lembra que “a violência é maior que as torcidas – é uma característica da sociedade contemporânea”. E não há só a violência contra o outro, mas também a de identificação, para o indivíduo se sentir valorizado, como continua o professor.



“O mundo, hoje, mostra uma cultura de força, de se colocar medo no outro. Somos nós e os outros: é para bater nele, se não fizer parte da turma. A sociedade contribui para isso, de todo modo. Por isso, adianta fazer jogo de uma torcida só? Claro que não! Porque as coisas não acontecem só dentro do estádio, mas ao redor dele. É mais uma questão de educação, de oportunidade de trabalho, de valorização da juventude”, continua Carlos Pimenta.

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