segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A hora da barbárie

Folha de São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

JOSÉ GERALDO COUTO

Putin, Serdan, neonazistas e "organizadas" ameaçam com sua estupidez a beleza e a graça do futebol

TRÊS FATOS ocorridos em locais diferentes nos últimos dias dão a sensação de uma onda obscurantista ameaçando o futebol por todos os lados.
Sábado passado, em São Paulo, Paulo Serdan, da principal torcida organizada do Palmeiras, a Mancha Alviverde, agrediu a socos e pontapés o treinador da equipe sub-14 do clube simplesmente porque este sacou do time, durante uma partida, o filho do torcedor.
Agravante um: ao ser questionado pela agressão, Serdan disse que não se arrependia do ato e que o faria de novo. "Agi como pai, não como torcedor", foi sua "justificativa". Se todos os pais fossem como ele, não sobraria um treinador vivo sobre a face da Terra. Agravante dois: esse pai exemplar é presidente de honra da Mancha. (Ao que parece, o conceito de honra mudou nos últimos anos.) O gesto animalesco de Serdan corre o risco de ser tomado como exemplo não só pelo filho, mas por milhares de torcedores palmeirenses.
Corta para Porto Alegre. Terça-feira, a polícia deteve dois rapazes de um núcleo neonazista infiltrado na torcida Geral do Grêmio. Entre outras coisas, os mancebos do bando quase mataram um estudante com 11 golpes de canivete. Na casa de um deles, a polícia encontrou cassetetes, canivetes e panfletos que incitam o ódio a negros, homossexuais, judeus, nordestinos e punks. O grupo a que eles pertencem se autodenomina, canhestramente, White Power Sul Skin, uma mixórdia idiomática que revela o quanto são ignorantes e colonizados.
Agora vamos para Moscou. Lá, quarta-feira passada, um torcedor russo protestou contra a numerosa presença de negros nas equipes de futebol do país. "Olhando nossos times, fica difícil dizer se são realmente nossos ou africanos." O agravante é que quem disse isso não foi um cidadão qualquer, mas o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o que gerou protestos do "nosso" Vágner Love, um dos estrangeiros que tornam mais colorido o futebol de lá.
O que essas histórias têm em comum?
A emergência da barbárie, de uma visão irracional, simplória e truculenta do mundo. É quase inacreditável que coisas assim sejam ditas e feitas no século 21, após o que a humanidade sofreu por causa delas.
Com tudo isso, fica mais horripilante a leitura da excelente reportagem publicada por Ivan Azevedo na revista "Placar" que está nas bancas, sobre a invasão do reduto da Gaviões da Fiel, no Parque São Jorge, por membros da Torcida Independente do São Paulo, em 14 de julho. Como escreveu o editor da "Placar", Sérgio Xavier Filho, "a descrição do "bonde" são-paulino que invade o território dos Gaviões em nada difere de uma operação do Comando Vermelho contra uma facção rival na luta pelo tráfico de drogas no Rio. Tem tática de combate, guerrilha, espionagem, armas sendo transportadas por diferentes "soldados"...".
Amanhã tem São Paulo x Corinthians. Drama não falta: um está no topo, o outro, na rabeira da tabela. Tomara que o clássico faça jus ao nome que lhe davam os antigos cronistas: "Majestoso". Se olharmos com atenção, há outra coisa em comum entre Serdan, Putin, os neonazistas gaúchos e as milícias "organizadas" paulistanas: com certeza nenhum deles gosta de verdade de futebol.
jgcouto@uol.com.br

UTB:
Primeiramente queremos afirmar, que compartilhamos as preocupações de José Geraldo Couto. A UTB se manifesta claramente contra qualquer tipo de violência, xenofobia ou fascismo.
Mas infelizmente a coluna sofre da mesma doença de muitos comentários que são veiculados sobre esse tema na mídia. A colocação de frases como “Se todos os pais fossem como ele, não sobraria um treinador vivo sobre a face da Terra” ou “Ao que parece, o conceito de honra mudou nos últimos anos” é uma simples opinião polémica sem apresentar motivos nem propostas de solução do problema.
Aliás, o texto é incompleto, pois não menciona certas questões importantes. Nessas últimas semanas, no mundo de futebol, aconteceram revelações sobre lavagem de dinheiro e outros crimes ocorridos no Corinthians
http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/09/sujeira-futebol-clube.html ). Houve as encenações dos goleiros Bosco (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/09/goleiro-ator-punido-pelo-stjd-por.html ) e Dida (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/10/italianos-repudiam-reao-de-dida-aps.html) e vieram à tona projetos ilícitos no Guarani (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/10/tribunal-guarani-sofre-processo-por.html). Além disso, há notícias que mostram como o torcedor é tratado de maneira desreipetosa (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/09/arena-da-copa-ou-da-idade-mdia.html), inclusive com direito a gás de pimenta na cara (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/10/tropa-de-elite-pm-atrasa-sada-da.html). Há também processos movidos por cartolas contra blogs incômodos, ameaçando a liberdade de imprensa (http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/10/ex-presidente-do-santa-cruz-vai-justia.html).
Poderíamos dizer, que a barbárie anda solta no futebol há muito tempo. Estes últimos exemplos são, na nossa visão, os motivos para a violência e outros comportamentos desviantes nas torcidas.
Temos de enxergar primeiro a má gestão dos cartolas, a falta de atendimento, segurança e conforto para os torcedores no estádio e o espírito autoritário das pessoas que detêm o poder no futebol brasileiro. Dessa forma vamos perceber que Serdan, as Torcidas Organizadas e todos os torcedores do Brasil são vítimas e não culpados.

Enfatizando mais uma vez, que não apoiamos de nenhuma maneira os incidentes descritos por Couto. Mas a primeira crítica tem de ser sobre a elite, os poderosos, aqueles que mandam no futebol e no país. São eles que poderiam fazer algo para mudar esse panorama.

Por isso nós da UTB temos algumas propostas:

1· Mais participação democrática do torcedor nas decisões do futebol brasileiro;

2· Maior interlocução entre autoridades e torcedores;
3· Proteção da cultura do torcedor, ameaçada pela mercantilização do futebol;
4· Proteção da geral e do ingresso a um valor acessível;
5· Maior segurança e organização nos estádios;
6· Menor discriminação, seja ela racial, social ou sexual;
7· Fim da truculência policial;
8· Fim da criminalização das torcidas organizadas.
(
http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/04/manifesto-da-unio-dos-torcedores.html)

Felizmente, Couto cita também o caso do presidente russo Putin, que se manifestou de uma forma xenófoba. Porque neste caso ele pega no pé da pessoa certa, um líder, que deveria ter responabilidade.
Aliás, neste aspecto as coisas andam um pouco diferentes no Brasil. Cito o presidente do Grêmio Paulo Odone em reação à descoberta do grupo neonazista: “Agora, esse desvio de caráter tem que combatido. Se um dia acontecer de identificarmos algum símbolo neonazista na torcida, vamos acionar a Polícia imediatamente - afirma o dirigente.” (
http://torcedoresbrasil.blogspot.com/2007/10/odone-no-temos-neonazistas-na-torcida.html) A reação foi imediata.

Talvez nem tudo esteja perdido.

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